© Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty ImagesPOR LUSA 25/02/23
É no silêncio de um mosteiro em Kiev, à luz ténue de velas, que procuram conforto militares ucranianos antes de regressarem aos 'trovões' e clarões da artilharia no inferno da guerra contra os invasores russos na região do Donbass.
"Morreram muitos compatriotas desde que isto começou", disse Dmitry à Lusa no Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas, em Kyiv, a poucos metros da Catedral de Santa Sofia, pouco depois de, em silêncio, pousar quatro velas num castiçal de cinco velas.
Deixou a última vela na mão esquerda enquanto conversa com a Lusa, que vai apertando com alguma força enquanto fala: "Eu era advogado, mas em 2014 [com a ocupação da Crimeia] deixei de o ser."
Hoje, acrescenta sorridente, mas com um tom de voz muito baixo e pausado, que é o capitão do 101.º pelotão que está a tentar repelir a invasão russa no Donetsk. Ao seu lado tem o filho, de 25 anos, que "também está a lutar, contra a vontade do pai".
"Tenho medo do que possa acontecer ao meu filho, mas ele é adulto e tenho de respeitar que queira lutar pelo país. À minha filha nem lhe dei hipótese e disse-lhe logo para sair do país, quero que pelo menos uma pessoa desta família sobreviva", comentou, sempre sorridente, mas com o olhar vazio.
Dmitry faz parte de um grupo de 50 militares ucranianos que no dia 24 de fevereiro de 2023, exatamente um ano desde o início da invasão da Federação Russa à Ucrânia, receberam uma condecoração pelos serviços prestados, particularmente pelo salvamento da vida de compatriotas que estão ao seu lado a combater. Até ao início desta semana, estava a reforçar posições no Donbass - em localidades como Bakhmut, Kramatorsk e Chasiv Yar.
São na sua maioria oficiais, como Dmitry, e médicos. Valeria faz parte deste último lote. Tem 33 anos, cabelo ruivo e um piercing no lábio inferior. Diz que ainda não pode ser considerada uma médica por ainda não ter recebido o diploma, mas em período de guerra dispensam-se papéis e formalidades.
Chamou lar a vida toda a Mykolaiv e quando a Rússia invadiu, há um ano, não hesitou e integrou o esforço para ripostar. Mas a guerra e afastou-a das pessoas que mais ama.
"O meu filho tem 9 anos e quando isto começou foi viver com a avó para longe de Mykolaiv. O meu marido é militar e estava comigo, mas foi capturado pelos russos", explica, enquanto, emocionada, agarra com força três das quatro velas que traz na mão direita. Falar do marido, visivelmente transtornada, fê-la pedir para deixar de o fazer de todo.
"A guerra faz com que as pessoas encontrem na religião um alívio, ou então pode fazer precisamente o contrário", explica à Lusa Yurgen, um jovem capelão que é também militar. Só recentemente é que o Ministério da Defesa da Ucrânia "decidiu admitir capelães como militares" e desde então Yurgen tenta ajudar os militares com a sua espiritualidade.
Mas para outros o conforto é encontrado dentro do próprio pelotão e carece de necessidade de intervenção divina.
À saída do mosteiro está um grupo de quatro militares, todos com a mesma boina cinzenta, novos e animados, em contraste com a solenidade dos restantes militares presentes na cerimónia. À Lusa contaram que estiveram presentes, mas não são oficiais ou pessoal médico, fazem parte de um "pelotão especializado em fazer coisas um pouco mais arriscadas", conta Ivan, comandante desta unidade, conhecido como "Grizzly".
Ivan tem uma barba escura e farta, o cabelo praticamente rapado e é bem-disposto. É o seu aniversário, faz 26 anos, e depois do susto que apanhou há um ano consegue "colocar as coisas em perspetiva".
"No ano passado, no dia em que a guerra começou eu já estava no Donetsk, mas fui baleado e quase morri nesse dia. Já escapei à morte!", conta à Lusa, sorridente.
"Grizzly" é o mais novo do seu pelotão, mas aqui não há lugar para disputas geracionais. O comandante desta unidade é o mais alto e entroncado, assim como o que "mete mais respeito", diz um dos colegas daquele pelotão, a rir-se.
A boa disposição do grupo de quatro militares nem sequer foi resfriada por um pedaço do mosteiro que ruiu no final da cerimónia. "Quase me acertava aquele pedaço", refere um dos colegas de Ivan.
Sem revelar muito daquilo que o pelotão faz, Ivan explicou que é meio checheno, por isso "hoje o trabalho consiste mais em estar com chechenos".
Depois de uma curta cerimónia, os mais de 50 militares seguiram, cada um, para locais opostos. A maioria não se conhecia, apesar de estarem espalhados ao longo da linha da frente que agora aponta baterias a Bakhmut, e é preciso aproveitar enquanto é ainda é dia.
Amanhã o dia vai nascer e estes militares já estão a caminho do Donbass.