quarta-feira, 23 de maio de 2018

QUE REFORMAS INSTITUCIONAIS PARA A GUINÉ-BISSAU?


As reformas institucionais sugeridas pelo Acordo de Conacri de Outubro de 2016, que de facto já têm uma longa história na Guiné-Bissau, são incontornáveis e terão de ser implementadas cedo ou tarde.

A fim de facilitar as discussões sobre essas reformas no seio das forças vivas da cena política e da sociedade civil, o Instituto de Estudos de Segurança (ISS), a pedido do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS) elaborou umas notas sobre a reforma da Constituição, da Lei-quadro dos Partidos Políticos, da Lei eleitoral e da reforma da justiça e do sector da Defesa e Segurança. Estas notas contêm as principais recomendações.

Existe um amplo consenso sobre a necessidade de se rever a Constituição para evitar bloqueios políticos e favorecer o funcionamento harmonioso das instituições.

A proposta elaborada em 2001 pode servir como base para o início dos trabalhos, indica a ONU. Os técnicos entendem que as disposições da Lei-quadro sobre os Partidos Políticos que datam de 1991 são pouco executadas. É importante rever a lei e garantir a sua exequibilidade.

São alguns pontos chaves:

- Dotar a Guiné-Bissau de uma nova Constituição para consolidar o Estado de Direito e a Estabilidade

Existe um amplo consenso entre os políticos e a sociedade civil sobre a necessidade de alterações da Lei fundamental. Na sequência das eleições de 2014, a Assembleia Nacional Popular criou uma comissão ad hoc sobre a reforma constitucional. Foram registados poucos progressos antes que a Comissão fosse paralisada, assim como toda a Assembleia, pela crise política de 2015. A actual constituição não tem clareza e precisão em diversas áreas, as quais são de elementar importância, começando pela delimitação dos poderes e competências dos órgãos de soberania (Presidência, Poder Executivo, Legislativo e Judicial).

Convém dotar o país de uma constituição destinada a prever e solucionar bloqueios políticos, favorecer um funcionamento harmonioso das instituições e tornar o Estado mais eficiente e justo nas suas missões em benefício das populações.

Esclarecer os critérios de nomeação do primeiro-ministro e da formação do governo;

- Esclarecer critérios para a demissão do governo pelo Presidente, para reduzir o risco de instabilidade política.

Na mesma medida, a noção de "grave crise", que impede o funcionamento normal das instituições, devia ser esclarecida e a sua apreciação confiada a uma nova jurisdição constitucional;

- Distinguir claramente as respectivas competências entre os poderes do Presidente da República e do Governo. Deve ser dada especial atenção aos poderes de nomeação de todas as instituições e às mais altas funções civis e militares. Nos regimes semipresidenciais próximos da Guiné-Bissau (Portugal, Cabo-Verde), a maioria das nomeações é feita pelo Presidente, sob proposta do Governo.

- Criar um Tribunal Constitucional.

Parece essencial fortalecer a salvaguarda dos princípios da Constituição criando um Tribunal Constitucional dedicado à protecção da letra e do espírito da Constituição.

- Esclarecer as modalidades da revisão da Constituição e considerar a via do Referendo. A Assembleia Nacional Popular, emanação do povo, deve continuar a ser o órgão de soberania central em todo o processo de revisão constitucional. Mas a possibilidade de realizar um referendo sobre a revisão também deve ser planeada.

- Constitucionalizar as disposições relativas aos partidos políticos. Incluir na Constituição os princípios da transparência das fontes de financiamento da atividade política, o enquadramento do financiamento público dos Partidos Políticos e a remoção de todos os obstáculos, a presença equitativa de mulheres e jovens no seio dos órgãos de direção dos partidos políticos.

Reformar as Leis Eleitorais

Desde a adoção do multipartidarismo em 1994, a Guiné-Bissau organizou cinco eleições legislativas e presidenciais. Registaram-se progressos significativos para melhorar os textos eleitorais antes das últimas eleições legislativas de 2014, mas há lacunas óbvias que ainda precisam de ser corrigidas. Reformas do quadro eleitoral são necessárias para melhorar a transferência e a integridade dos escrutínios, esclarecer e fortalecer os poderes da Comissão Nacional das Eleições e pôr fim aos conflitos entre as disposições constitucionais e as leis eleitorais.

Esta etapa também é um pré-requisito para a organização das eleições autárquicas, que devem dar origem a uma descentralização prevista na Constituição, até então por implementar. A CNE deveria ser responsável pela condução de todas as fases do processo eleitoral.

- Rever a atribuição dos lugares nos círculos eleitorais.

Determinar na lei eleitoral e, eventualmente, na Constituição, os princípios para orientar a divisão dos círculos eleitorais e a atribuição de lugares para a função de Deputados, assim como a instituição que teria a responsabilidade de reexaminar regularmente esta distribuição de acordo com os dados demográficos mais recentes.

- Criar um Círculo Eleitoral Nacional.

A existência de uma lista nacional além das listas por círculos eleitorais, iria permitir os partidos ou as coligações dos partidos que elegessem os seus membros mais dotados a desempenhar um papel construtivo no trabalho legislativo.

Reexaminar a Lei-quadro sobre os Partidos Políticos

A legislação que rege os partidos políticos na Guiné-Bissau data de 1991. Os eixos identificados da reforma visam fortalecer a regulamentação das atividades políticas, confirmar o lugar preponderante dos partidos políticos na animação da vida democrática, promover a participação equitativa das mulheres e dos homens e o seu acesso às funções políticas, a especificar, organizar e controlar o financiamento público dos Partidos Políticos e torná-lo uma ferramenta eficaz para mudar as práticas políticas.

- Reforçar o controlo do respeito dos princípios constitucionais pelos partidos.

Confiar a um verdadeiro Tribunal Constitucional a prerrogativa de registar as declarações de existência de partidos políticos e verificar a conformidade dos seus estatutos com princípios democráticos e com os direitos e liberdades protegidos pela Constituição.

- Fotalecer o controlo do funcionamento dos partidos políticos.

O Tribunal Constitucional seria a única instituição habilitada a pronunciar-se relativamente à dissolução de um partido a pedido de um órgão de soberania e em caso de violação flagrante das disposições fundamentais da Lei-quadro sobre os Partidos Políticos, inclusive a militarização de um partido, o recurso à violência armada e aos discursos de incitação ao ódio ou qualquer forma de discriminação.

A dissolução também pode ser declarada em caso de inatividade política por longo prazo, nomeadamente a ausência de indicações para qualquer eleição nacional ou local, a comunicação dos membros dos órgãos de direção do partido ou da não apresentação das contas do partido.

- Confirmar o papel preponderante dos partidos políticos na animação da vida democrática.

Deverá ser reafirmado, de maneira coerente com as leis eleitorais, que apenas os partidos e as coligações partidárias podem apresentar candidatos para as legislativas. As candidaturas independentes deverão ser permitidas apenas para as eleições presidenciais e autárquicas.

O financiamento de partidos e campanhas eleitorais deve ser rigorosamente regulado e confiado a um órgão independente.

- Promover o acesso equitativo das mulheres e homens às funções políticas, incluindo a introdução do sistema de cotas.

Os estatutos dos partidos políticos devem garantir uma participação ativa das mulheres em todas as suas atividades e evitar qualquer discriminação com base no género, no acesso aos seus órgãos de direção às candidaturas apresentadas nas eleições. A Lei-quadro poderia estabelecer uma cota obrigatória de 30% das mulheres nas listas apresentadas pelos partidos nas eleições legislativas e autárquicas.

— Conclusão

A reflexão sobre as reformas institucionais deve integrar a necessidade de criar condições políticas para um diálogo construtivo em torno das mudanças profundas que devem ocorrer nas relações os diferentes poderes, entre os governos e nos governados, entre o poder político e a administração pública, entre o poder político e as forças de defesa e segurança e entre instituições formais e informais enraizadas na tradição e que orientam em grande parte o comportamento dos cidadãos.

A coerência de estrutura institucional da Guiné-Bissau reside no alinhamento dos princípios fundamentais das leis eleitorais, da Lei-quadro dos Partidos Políticos, das regras sobre o funcionamento da justiça e das forças de defesa e segurança e de uma Constituição prevista como um novo pacto social entre cidadãos. É por esta razão que o processo de revisão da Constituição não deve limitar-se a um exercício formal dominado por uma abordagem técnica e jurídica, mas ser uma oportunidade para as forças sociais do país tirarem as principais ilações da evolução do país desde a independência e colocarem no cerne das preocupações o futuro da juventude, que praga o alto preço da instabilidade política e institucional. A abordagem proposta para a reforma deve ser ambiciosa para suscitar o interesse real por parte de todas as forças sociais do país, em todas as regiões e em todas as comunidades.

Se a vontade coletiva dos cidadãos é de construir um sistem democrático estável, baseado no equilíbrio do poder, no Estado de Direito Democrático e na representação da diversidade cultural, económica e social das populações, as reformas devem ter como objectivo o reforço das instituições. Elas também devem especificar, da melhor forma possível, as competências, as responsabilidades e limitações de cada um entre eles. As leis devem permitir a criação de instituições distintas das pessoas que as dirigem.

Para a Guiné-Bissau, o desafio da reforma é vital: trata-se de criar um quadro institucional susceptível de assegurar as condições de uma estabilidade política indispensável à manutenção da Paz, da segurança e do progresso económicoe social. Mas uma nova Constituição, mesmo que muito bem pensada e dotada democraticamente, não acabaria automaticamente com o longo ciclo de instabilidade e crises políticas que o país sofreu por muitos anos. A capacidade nacional para transformar o difícil momento da crise numa oportunidade histórica para a regeneração das instituições dependerá de uma forte mobilização das forças vivas do país e do apoio indispensável dos seus parceiros internacionais.

Escusado será dizer que a Estabilidade da Guiné-Bissau também é uma das condições para fortalecer a Estabilidade e a segurança na África Ocidental.

Fonte: NOTAS UNIOGBIS
BRAIMA DARAME
@Maio 2018

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