© ReutersPOR LUSA 18/07/23
A situação em Lyman, Donetsk, revela a lentidão da contraofensiva ucraniana, indica uma reportagem da agência France-Presse (AFP) que destaca as divisões entre os habitantes e a exaustão das forças de Kiev.
"O mês passado foi como 'um longo dia' para nós", disse um soldado de 23 anos à AFP - num local não identificado - perto da área do principal avanço das forças russas.
"No que diz respeito à moral, estamos a manter-nos firmes. Só queremos ganhar o mais depressa possível", afirma o soldado.
A capacidade da Ucrânia em fazer progressos na "contraofensiva", que começou em junho e que até ao momento tem sido lenta, depende, em parte, do moral das tropas, refere a reportagem da AFP.
A Rússia lançou um novo ataque no nordeste da Ucrânia, algumas semanas após o início da contraofensiva ucraniana, dirigida sobretudo para sul.
Na semana passada, Moscovo afirmou ter avançado 1,5 quilómetros em direção a Lyman, um centro ferroviário reconquistado pelas forças de Kiev em outubro de 2021.
As nuvens de fumo que se erguem sobre o vale perto de Lyman revelam as posições bombardeadas pelas forças russas numa nova operação no leste da Ucrânia.
Segundo a AFP, os russos querem forçar os ucranianos a desviar os atuais esforços para reconquistar cidades como Bakhmout - 50 quilómeros mais a sul - e projetar tropas para defender a frente de Lyman.
Para Admin, "nome de guerra" do antigo técnico informático antes do início da invasão russa, a Ucrânia ainda está em vantagem.
"Muitos jovens estão feridos ou já não estão connosco. Eles (os russos) estão a bombardear alvos civis", diz.
Nem toda a população de Lyman acolheu "de braços abertos" o regresso das tropas ucranianas.
A possibilidade de os russos voltarem a assumir o controlo "enche de esperança" Viktoria Tamossevska, 53 anos, que vende vegetais num cruzamento de Lyman, onde um ataque russo matou recentemente oito pessoas.
Esta antiga empregada de uma estação de correios recorda o dia em que os russos entraram pela primeira vez em Lyman, no quarto mês da guerra, em 2021.
"Estávamos à espera deles como se fossem Deus", recorda com uma voz trémula.
"Se voltarem a entrar, (os russos) não nos vão fazer mal. Mas os ucranianos estão a fazer coisas más", acusa.
Os russos tomaram Lyman após semanas de combates que destruíram as florestas.
Muitos dos camponeses que se recusaram a fugir dos combates são pessoas idosas que falam russo e que não têm receio de serem governados por Moscovo.
Estas tensões obrigam outro vendedor de legumes, Volodymyr Seravatsky, 69 anos, a falar sem levantar a voz.
"Não me interessa se os russos avançam. Todos eles querem morrer. Virão para aqui e vão morrer", diz, depois de olhar furtivamente para Viktoria Tamossevska.
"Se, no ano passado, tivéssemos as mesmas armas que temos hoje eles nunca teriam vindo para cá", diz Seravatsky.
As novas armas "ocidentais" à disposição do exército ucraniano ainda não permitiram às forças ucranianas alterarem o "curso da guerra" mas tranquilizam os camponeses que apoiam Kiev que "estão a aguentar todo o peso do novo ataque russo".
A pequena casa de Valentyna Omeltchenko, 53 anos, operária na aldeia de Zakitné, está ao alcance das forças russas, posicionadas a cerca de dez quilómetros mais a norte.
Recentemente, viu um míssil sobrevoar a casa onde vive e que fez um morto.
Quando questionada sobre os soldados russos, sorri e admite que, por vezes, sente pena porque "não fazem ideia daquilo por que estão a lutar" e os que são capturados "são apenas crianças assustadas", diz.
Yulia Poliakova também não demonstra preocupação, ocupada com o trabalho no campo numa zona do extremo norte de Lyman.
"Esperamos que [os russos] não nos apanhem", diz a mulher de 63 anos.
"Já estamos além dos nossos piores receios. Talvez seja por nos termos habituado, não sei, temos a impressão de que agora está tudo bem", diz.
Esta serenidade contrasta com o período vivido no ano passado, quando as forças russas arrasaram cidades inteiras e fizeram avanços significativos nesta região da Ucrânia.
Por outro lado, as tropas ucranianas pareçam confiantes mas a exaustão é visível.
O capitão Rys, das forças ucranianas, hesita enquanto olha, cansado, de soldado para soldado, tentando encontrar as palavras certas para exprimir o estado de espírito da brigada.
"Estamos mentalmente exaustos após 17 meses de guerra", diz finalmente.
"Perdi a memória. Telefonei à minha mulher ontem à noite e ela perguntou-me sobre o que tínhamos discutido no dia anterior. Não fazia ideia do que ela estava a dizer", lamenta o oficial.