quinta-feira, 17 de abril de 2025

O “desacoplamento” entre EUA e China seria um divórcio complicado

Xi Jinping e Donald Trump  Por CNN, 17/04/2025

Mesmo que os sinais fossem evidentes há anos, terminar uma relação nunca é fácil. A China e os Estados Unidos raramente estão em sintonia, mas durante décadas concordaram, de forma geral, que era preferível serem parceiros comerciais do que adversários no comércio.

Esta aliança está agora por um fio. E os danos colaterais no mundo real já estão a acumular-se.

Os presidentes das duas maiores economias do mundo não parecem prontos para negociações sérias. A China indicou na quarta-feira que só estaria disposta a negociar se as conversações se basearem no “respeito” e numa maior “consistência e reciprocidade” por parte da administração de Donald Trump, disse uma fonte familiarizada com o assunto aos meus colegas da CNN. (Pessoalmente, não estou a suster a respiração).

Sem um recuo significativo, espera-se que o comércio entre os EUA e a China caia mais de 80% - uma magnitude “equivalente a um desacoplamento”, afirmou Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, que também divulgou esta quarta-feira um relatório sombrio sobre o comércio global. (Em suma: antes das tarifas impostas por Trump, previa-se que o comércio global crescesse 2,7% este ano. Agora, espera-se que recue 0,2%.)

Eis como a guerra comercial de Trump já está a afetar a economia:

  • As vendas a retalho nos EUA subiram 1,4% em março - impulsionadas sobretudo pela venda de automóveis e peças - à medida que os consumidores tentam antecipar aumentos de preços;
  • A Boeing, maior exportadora dos EUA e um importante empregador, terá sido impedida de fazer entregas a companhias aéreas chinesas;
  • Pequim impôs recentemente restrições à exportação de sete tipos de minerais de terras raras - componentes vitais para tudo, desde iPhones a veículos elétricos, sobre os quais a China detém quase um monopólio;
  • A Nvidia, líder norte-americana na produção de chips, anunciou um prejuízo de 5,5 mil milhões de dólares depois de Washington ter ordenado à empresa que suspendesse as vendas à China;
  • As empresas chinesas de moda rápida, como a Shein, e o marketplace Temu deverão aumentar os preços na próxima semana, segundo a Reuters;
  • As ações nos EUA caíram esta quarta-feira - penalizadas pelo bloqueio da Nvidia à China, pelo sombrio relatório da OMC e por declarações do presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, que alertou para um “cenário desafiante”, no qual as tarifas levam a uma combinação de menor crescimento económico, aumento do desemprego e aceleração da inflação - tudo ao mesmo tempo.

“Não existe uma experiência moderna para lidar com isto,” disse Powell num evento promovido pelo Economic Club de Chicago, esta quarta-feira. Seria de esperar que o presidente que escreveu The Art of the Deal (A arte do negócio, em tradução livre) estivesse ansioso por chegar a um acordo com a China. Mas, se Trump ensinou algo ao mundo, foi a esperar o inesperado.

“Pode haver outro plano em jogo”, afirmou Ed Yardeni, investidor veterano e presidente da Yardeni Research, num podcast com o investidor Louis Navellier, divulgado esta semana. “É possível que ele [Donald Trump] não tenha qualquer interesse num acordo com a China. É possível que os EUA tenham chegado à conclusão de que a China representa uma ameaça geopolítica... e que o que estamos a tentar fazer é arruinar a sua economia”.

E novas informações da Bloomberg parecem dar força a essa teoria. De acordo com o meio de comunicação, que cita fontes anónimas, a administração de Trump está a “preparar-se para pressionar outras nações a restringirem o comércio com a China”. Uma das opções em cima da mesa, segundo a Bloomberg, seria essencialmente uma sanção monetária, na qual os EUA pediriam a outros países que impusessem tarifas a nações com fortes laços comerciais com a China.

Se o objetivo for ou não chegar a um acordo comercial, “não é um espetáculo bonito de se ver”, reconhece Yardeni. “Ele [Trump] está a tentar usar o poder económico dos EUA para intimidar outros países... Mas vai ser muito difícil intimidar a China”.

Como muitos observadores já notaram, a China poderá estar em melhor posição para resistir a uma guerra comercial de retaliação, em parte porque mantém um controlo autoritário sobre praticamente todos os aspetos da sua economia. Mas talvez mais importante ainda, Pequim aprendeu com o primeiro confronto com Trump em 2017. O país já está a ir além das medidas “olho por olho” que caracterizaram a disputa anterior.

A suspensão das entregas da Boeing e as restrições à exportação de terras raras mostram que a China “aprendeu a transformar as suas importações numa arma de forma inovadora”, adianta Mary E. Lovely, investigadora sénior no Peterson Institute for International Economics, durante uma entrevista.

“A China ainda quer parecer um parceiro comercial respeitável” para países como a Austrália, a União Europeia e o Sudeste Asiático - regiões que o Presidente Xi Jinping visitou esta semana, continua Lovely. “Querem dizer: ‘A porta está aberta. Somos razoáveis, estamos apenas a reagir à agressão dos EUA.’ E estão agora a fazê-lo com um leque de ferramentas muito mais vasto”.

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