O cérebro humano é o puzzle mais complexo que a humanidade alguma vez enfrentou. Esta teia de 86 mil milhões de neurónios, células da glia e triliões de ligações representa um desafio quase intransponível para as mentes mais aguçadas da nossa sociedade.
No entanto, nos últimos anos, a neurociência tem conseguido gradualmente desvendar o emaranhado de células no interior da cabeça e criar mapas cada vez mais precisos para explicar o funcionamento da nossa mente.
Actualmente, o mapa cerebral mais preciso alguma vez criado é o resultado de uma colaboração entre a Universidade de Harvard e o gigante tecnológico Google. O projecto, que foi realizado no laboratório do reitor da faculdade de artes e ciências, Prof. Jeff Lichtman, deu um enorme salto tanto na resolução dos mapas anteriores como na compreensão do cérebro.
E qual é a dimensão desse salto científico? Um cérebro humano completo é uma palavra grande e, com os métodos actuais, impossível, metade também não seria viável, nem um quarto, nem um oitavo... Na realidade, o enorme salto para a ciência é do tamanho de um grão de arroz.
Um grão de arroz e o mapa cerebral mais exacto de sempre
Na pequena quantidade de massa cerebral que analisaram durante meses, os investigadores encontraram 57.000 neurónios, 23 centímetros de vasos sanguíneos e 150 milhões de ligações neurais. Assim, apesar do seu pequeno tamanho, dissecar cada pedaço do cérebro foi um verdadeiro desafio para os modelos computacionais. Foi por isso que utilizaram inteligência artificial especialmente treinada para distinguir os neurónios. Uma vez pronta, puseram-na a trabalhar analisando mais de 1.400 terabytes de dados para encontrar cada uma das ligações neuronais e, após vários meses, chegaram a uma das mais belas imagens para um neurocientista.
Nesta imagem, é possível ver seis camadas de neurónios excitatórios, ou seja, neurónios que são responsáveis por comunicar entre si para realizar acções. Destes neurónios saem cabos, chamados axónios, que ligam células próximas e distantes, criando assim canais por onde circulam neurotransmissores e hormonas. Desta forma peculiar de falar que os neurónios têm, surgem as propriedades que nos tornam humanos: pensar, reflectir e até a nossa identidade.
É por isso que ter um mapa cerebral completo e exacto de uma zona do cérebro, mesmo que seja do tamanho de um grão de arroz, é extremamente útil. Um mapa dá-nos um vislumbre do funcionamento interno da caixa negra que é o nosso cérebro. Além disso, ao transferir este conhecimento para outros mapas com menor resolução, mas que abrangem regiões maiores, é possível compreender de onde surgem alguns comportamentos. Mas ainda há muitos anos de trabalho pela frente para se conseguir um mapa completo, “se é que alguma vez se conseguirá”, dizem os autores do mapa.
O próximo grande salto: o rato
Actualmente, o maior cérebro totalmente mapeado é o da mosca-da-fruta Drosophila Melanogaster, um marco alcançado em Novembro de 2024. Neste cérebro de mosca, com cerca de 140.000 neurónios, estão entrelaçadas cerca de 50 milhões de ligações, um terço do total de ligações que puderam ser observadas na amostra humana analisada pelo laboratório Lichtmann. Isto deve-se ao facto de, como somos animais mais complexos, os neurónios serem também mais ramificados para terem mecanismos redundantes que garantam a execução de comportamentos e acções mais elaborados.
Assim, o próximo grande salto que têm em mente é um mamífero, o rato. Embora isto possa parecer uma ideia rebuscada, tendo em conta os avanços que foram feitos nos últimos anos na análise de dados em massa, não seria invulgar que conseguissem atingir este objectivo dentro de 5 a 10 anos. Actualmente, as estimativas sugerem que, para atingir o seu objectivo, os investigadores da Iniciativa BRAIN dos Institutos Nacionais de Saúde terão de analisar cerca de 1.000 vezes a quantidade de dados no laboratório de Lichtman, pelo que a incipiente computação quântica poderá ser de grande ajuda para atingir os seus objectivos.
No rato, a ideia é começar por desmontar as peças e, eventualmente, juntá-las todas. O primeiro alvo da equipa é o hipocampo, uma região do cérebro envolvida na perceção espacial e na criação de memórias. Quando conseguirem mapeá-lo, os resultados poderão ser extrapolados para os seres humanos, o que poderá ajudar a compreender melhor as doenças neurodegenerativas, como a demência ou a doença de Alzheimer. No final, os mapas mostram o caminho e, no caso da biomedicina, o caminho pode significar um antes e um depois na vida das pessoas.