Por cnnportugal.iol.pt 03/04/23
Depois da invasão da Ucrânia, a Finlândia pediu para aderir à Aliança Atlântica, para se sentir mais segura. Mas a NATO também ganha com a integração deste país que tem 1.340 quilómetros de fronteira terrestre com a Rússia e uma das Forças Armadas mais equipadas e eficazes da Europa
"A entrada da Finlândia para a NATO é uma vitória para o país, que passa a estar muito mais protegido do 'urso' russo, do seu inimigo de leste, mas é também uma vitória para os países da NATO e até para a Suécia, que ainda não pertence à NATO." O major-general Isidro de Morais Pereira não tem qualquer dúvida: "Ficaremos todos mais seguros", diz à CNN Portugal.
A Finlândia, o país mais feliz do mundo, junta-se à NATO esta terça-feira, concluindo assim um rápido processo de adesão - que se iniciou há cerca de um ano, após a invasão da Ucrânia.
"Amanhã [terça-feira] daremos as boas-vindas à Finlândia como o 31.º membro da NATO, tornando a Finlândia mais segura e a nossa aliança mais forte", disse o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, classificando o momento como "histórico". "Vamos hastear a bandeira finlandesa pela primeira vez na sede da NATO. Será um bom dia para a segurança da Finlândia, para a segurança nórdica e para a NATO como um todo", considerou Stoltenberg. O presidente finlandês, Sauli Niinisto, vai estar em Bruxelas para participar na cerimónia, segundo informou o seu gabinete.
Um lugar vago para a bandeira da Finlândia em Bruxelas (AP)
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro do ano passado, levou a Finlândia e a sua vizinha Suécia a candidatarem-se à adesão à NATO, abandonando décadas de não-alinhamento militar. O último obstáculo para a adesão da Finlândia desapareceu na semana passada, quando o parlamento da Turquia aprovou o pedido de Helsínquia.
O que fez com que a Finlândia quisesse aderir à NATO?
"Até à invasão da Ucrânia, a população finlandesa nunca sentiu que a Rússia pudesse constituir uma ameaça imediata à sua integridade territorial", explica o especialista militar.
O Grão-ducado da Finlândia fez parte, embora de uma forma autónoma, do Império Russo, entre 1809 e 1917. Com a Revolução Russa, o país tornou-se independente. O "Tratado de Tartu" assinado com a Rússia a 14 de outubro de 1920 definiu as fronteiras entre os dois países. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Finlândia aliou-se aos países do Eixo - Alemanha, Itália e e Japão. Após a derrota da Alemanha, e com o avanço soviético, a Finlândia foi forçada a aceitar as exigências da URSS para garantir a paz, incluindo ceder cerca de 12% do seu território.
O país foi também forçado a permanecer neutral desde então. Mas, como recorda Isidro de Morais Pereira, 10 a 15% população finlandesa é de origem russa, e o russo é uma das línguas faladas no país (a seguir ao finlandês e ao sueco). Ainda assim as relações entre a Finlândia e a Rússia não eram as melhores, mas não havia razões para ter medo.
"A invasão da Ucrânia veio alterar tudo", sublinha o major-general. "A invasão da Ucrânia aconteceu na sequência de outras intervenções - na Geórgia e na Crimeia. Ainda há pouco tempo, Putin referiu que a Rússia era um Estado mas com a Ucrânia volta a ser um império, é claro que Putin tem ambições imperialistas e a Finlândia percebeu que a próxima invasão poderia ser ali."
Isidro de Morais Pereira lembra a importância da doutrina Primakov, que defende que a Rússia deve recentrar a sua atenção nas antigas repúblicas e insistir na sua primazia no espaço pós-soviético; considera que a Rússia se deve opor à expansão da NATO; e confirma a necessidade de a Rússia lutar por um mundo multipolar, que contrarie o domínio unilateral dos Estados Unidos da América. Yevgeny Primakov foi ministro dos Negócios Estrangeiros e depois primeiro-ministro (até 1999), e a sua doutrina serviu de inspiração a Putin.
"A Finlândia, que conhece muito bem a Rússia, percebeu que se a Rússia conquistasse a Ucrânia não se ficaria seguramente por ali", argumenta Isidro de Morais Pereira. Com os seus 1.340 quilómetros de fronteira terrestre com a Rússia, a Finlândia ficou numa situação vulnerável. "Isto leva a uma mudança de perceção quer dos dirigentes quer do próprio povo. Antes, perguntava-se se as pessoas queriam aderir à NATO e a maioria da população respondia que não, temos umas forças armadas credíveis e um sistema de defesa capaz, não há motivos para tal. Depois da invasão da Ucrânia, a esmagadora maioria da população defende a adesão à NATO."
E com esta adesão a Finlândia sente-se mais protegida, porque sabe que Putin vai pensar duas vezes antes de agredir um país que seja membro da NATO.
E o que ganha a NATO com esta adesão?
O major-general fala de uma situação de "win-win", ou seja, em que todos ganham. Estrategicamente, a adesão da Finlândia permite garantir a segurança dos países nórdicos (Suécia e Noruega), dos países do Báltico e ainda da região do Ártico, que, com as alterações climáticas e o avanço do degelo, passará a ser navegável durante períodos cada vez mais longos. A Finlândia tem uma fronteira de mais de 1.300 quilómetros com a Rússia, o que significa que a fronteira da NATO com a Rússia quase duplicará.
Depois, "a NATO ganha um país que é do tamanho da Alemanha e que, embora tenha só uma população de cinco milhões, tem umas forças armadas muito bem equipadas. Tem 30 mil homens permanentes nas Forças Armadas. Num primeiro momento, poderá mobilizar mais 200 mil soldados e, num segundo momento, tem capacidade para chegar aos 800 mil", explica Isidro de Morais Pereira. Isto só acontece porque, "para funcionar, a mobilização tem de estar prevista em tempos de paz". "Há unidades mantidas em ordem de batalha e há reservas chamadas para treinos duas vezes por ano", explica.
Além de soldados treinados, a Finlândia tem material e munições para equipar estes 800 mil homens, fazendo com que "em duas ou três semanas estejam capazes de combater".
Também o armamento é topo de gama e, além disso, "a Finlândia usa material do Ocidente, pelo que não há problema de harmonização de material". Finalmente, a Finlândia está muito habituada a colaborar com a NATO e em participar em ações de treino, pelo que não só o armamento como a doutrina da NATO são-lhe familiares.
Entretanto, a Rússia já anunciou que irá reforçar a segurança junto à fronteira com a Finlândia. O ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, disse que a Rússia aumentará as suas forças no oeste e no noroeste. Grushko afirmou à agência de notícias estatal RIA: "Caso as forças e recursos de outros membros da NATO sejam colocados na Finlândia, tomaremos medidas adicionais para garantir de forma confiável a segurança militar da Rússia."
O major-general Isidro de Morais Pereira considera que, neste momento, a NATO não tem qualquer necessidade nem vantagem em colocar armas nucleares na Finlândia, pelo que para já esse perigo está fora do horizonte. "A não ser que a Rússia o faça primeiro", ressalva.
Neste momento, a Turquia continua a atrasar a candidatura da Suécia, alegando que Estocolmo abriga membros que Ancara considera terroristas - uma acusação que a Suécia nega - e exige a extradição como condição para ratificar a adesão sueca. A Hungria também tem colocado objeções à admissão da Suécia, referindo-se às críticas às políticas do seu primeiro-ministro Viktor Orbán. Mas os diplomatas da NATO estão confiantes que Budapeste vai aprovar a proposta da Suécia se vir que a Turquia irá fazê-lo. Stoltenberg prometeu fazer todos os esforços para colocar a Suécia na NATO o mais rapidamente possível.