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A cobra-da-morte (Acanthophis antarcticus), uma cobra venenosa australiana, foi uma das espécies que esteve em destaque na investigação. Créditos: Blickwinkel/Alamy Stock Photo |
Cnnportugal.iol.pt, 08/01/2023
Autora de trabalho cientifico diz que são necessários mais estudos para revelar exatamente a razão pela qual as cobras têm clitóris
De acordo com um novo estudo, os cientistas descobriram que as cobras fêmeas têm um clitóris – uma parte anteriormente negligenciada ou ignorada da sua anatomia, bem como em muitos outros animais.
“É uma área ainda considerada um tabu. Por vezes a genitália feminina não é um assunto fácil de abordar. As pessoas ficam contentes por dizer que ‘isso não existe. Não há necessidade de uma cobra ter um clitóris'”, disse Megan Folwell, a principal autora do estudo e estudante de doutoramento na Universidade de Adelaide, Austrália.
Folwell decidiu investigar a genitália feminina das cobras depois de perceber que tinha sido feita pouca pesquisa sobre o assunto. De acordo com o estudo publicado recentemente na revista científica “Proceedings of the Royal Society B”, foi descoberto que o órgão variava entre as várias espécies de cobras e ocupava a maior parte da região anterior da cauda em algumas.
“As pessoas não estavam à procura e era difícil encontrá-lo. Não é a estrutura mais fácil de ver em algumas espécies de cobras”, explicou Megan Folwell. A autora acrescentou que alguns investigadores já tinham confundido o clitóris das cobras com glândulas odoríferas.
Este trabalho esclareceu, em definitivo, a questão de saber se o clitóris existe nas cobras, enquanto oferece algum contexto sobre o propósito que pode ter, disse Kurt Schwenk, professor de ecologia e biologia evolutiva da Universidade de Connecticut. Schwenk não estava envolvido na investigação.
O papel da genitália feminina
Ao conduzir a investigação, Folwell analisou cuidadosamente a genitália de nove espécies diferentes, incluindo a da cobra-da-morte, que representava quatro famílias principais de cobras: Elapid, Viperid, Pythonidae e Colubridae. E encontrou o órgão sexual em todas as cobras que examinou no estudo.
Oficialmente conhecido como hemiclitóris, uma vez que tem duas partes distintas, o órgão das cobras-da-morte parecia ter a forma “de duas lágrimas que formavam uma estrutura de coração”, disse Folwell. Em répteis como as cobras, o pénis é conhecido como hemipénis, uma vez que também possui uma estrutura dupla.
Folwell disse que são necessários mais estudos para revelar exatamente a razão pela qual as cobras têm clitóris. No entanto, de acordo com a investigação, um conjunto de terminações nervosas no hemiclitóris sugere que desempenha um papel na excitação sexual. Talvez crie “um maior estímulo para a cobra fêmea durante o namoro e na cópula, o que pode promover acasalamentos mais longos e frequentes. Isso leva a um maior sucesso de fertilização”.
Schwenk disse que isso poderia, de igual maneira, dar informações à cobra fêmea. Assim, esta decide se quer interromper a cópula e reduz as hipóteses de se reproduzir com um macho em particular.
“Isto dá à fêmea o poder de tomar decisões que lhe permitem controlar a cópula e com que macho copula”, disse Schwenk. “Houve uma tendência histórica de ver as fêmeas de outras espécies – bem, não apenas de outras espécies - como recetores passivos do comportamento copulatório masculino ou até mesmo como vítimas”.
Mas investigações como esta mostram que, provavelmente, as fêmeas têm um papel muito mais ativo no acasalamento do que se acreditava até agora, acrescentou.
Investigações sobre a genitália feminina no reino animal são relativamente escassas. De acordo com o estudo, tal deve-se ao “foco dominador sobre a genitália masculina”.
É importante não projetar características humanas em diferentes espécies. Contudo, é impossível separar completamente o clima sociopolítico da maneira como os cientistas conduzem as suas investigações, disse Schwenk. Quer seja por causa do preconceito, quer seja pelo que é mais fácil de observar, a maioria das questões da investigação biológica tem-se concentrado na anatomia e no comportamento masculinos.
Algumas biólogas tentam corrigir esse desequilíbrio. No ano passado, Patricia Brennan, professora associada de ciências biológicas na Universidade Mount Holyoke e coautora do novo estudo sobre cobras, revelou que os golfinhos também têm um clitóris funcional.