© SAID KHATIB/AFP via Getty ImagesPOR LUSA 07/04/24
Os seis meses da guerra entre Israel e o grupo islamita Hamas em Gaza expuseram as limitações das Nações Unidas (ONU), que além de registarem um número recorde de funcionários mortos, também não conseguiram implementar as resoluções aprovadas.
O ataque sem precedentes do Hamas a Israel em 7 de outubro, assim como a implacável resposta das forças israelitas na Faixa de Gaza, voltaram a colocar os olhares internacionais não só na ONU, como também no seu secretário-geral, António Guterres, que transmitiu inúmeros apelos a um cessar-fogo urgente e imediato, mas também alertas de catástrofe humanitária.
Contudo, esses apelos não só foram amplamente ignorados pelas partes em conflito, como valeram duras críticas a Guterres e à própria ONU por parte de Israel, que acusa o ex-primeiro-ministro português e a organização multilateral de "parcialidade".
Outro dos impactos desta guerra foi sentido no número recorde de funcionários da ONU mortos. Até 30 de março, mais de 170 trabalhadores da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA) haviam sido mortos, levando a acusações de que Israel está deliberadamente a visar funcionários da ONU nos seus ataques e evidenciando o facto de que ser trabalhador das Nações Unidas já não é garantia de segurança.
Mas a maior limitação foi sentida na falta de cumprimento das resoluções que as Nações Unidas conseguiram aprovar neste período, especialmente no Conselho de Segurança.
Eis a cronologia dos eventos que marcaram os seis meses da guerra em Gaza na ONU:
8 de outubro de 2023 - Um dia após o ataque sem precedentes do Hamas a Israel, o Conselho de Segurança da ONU reúne-se à porta fechada, mas levaria mais oito dias para realizar a primeira reunião pública. Nessa altura, Israel já tinha anunciado um cerco completo a Gaza, bloqueando toda a entrada de mercadorias, assim como de eletricidade, água, alimentos e combustível.
16 de outubro de 2023 - Rússia propõe primeiro projeto de resolução do Conselho de Segurança a apelar a um cessar-fogo humanitário em Gaza, mas o texto recebe quatro votos contra, incluindo de três membros permanentes: França, Reino Unido e Estados Unidos.
18 de outubro de 2023 - Os Estados Unidos vetam projeto de resolução da autoria do Brasil que pedia pausas humanitárias para permitir o acesso total, seguro e desimpedido das agências da ONU ao enclave. Foi o segundo projeto vetado no Conselho de Segurança desde o ataque do Hamas.
24 de outubro de 2023 - A já tensa relação entre Israel e a ONU atinge um novo patamar quando António Guterres, na abertura de uma reunião do Conselho de Segurança, admite ser "importante reconhecer" que os ataques do Hamas "não aconteceram do nada", frisando que o povo palestiniano "foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante". Essas declarações levaram Israel a pedir a demissão "imediata" de Guterres da liderança da ONU.
25 de outubro de 2023 - Conselho de Segurança volta a falhar a adoção de duas resoluções concorrentes: uma proposta pelos Estados Unidos, que teria condenado os ataques do Hamas, apelado à libertação dos reféns e a pausas humanitárias; e outra proposta pela Rússia, que teria apelado a um cessar-fogo humanitário imediato.
27 de outubro de 2023 - Face ao impasse no Conselho de Segurança, a Assembleia-Geral da ONU adota uma resolução apelando a uma "trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada" em Gaza e à rescisão da ordem de Israel para deslocação da população para o sul do enclave. Exige também o fornecimento "contínuo, suficiente e sem entraves" de serviços vitais para os civis. Apesar de não ter caráter vinculativo, a resolução teve peso político e mostrou o posicionamento da comunidade internacional em relação à forma como Israel conduz a sua guerra contra o Hamas.
15 de novembro de 2023 - Pela primeira vez desde o ataque do Hamas, o Conselho de Segurança consegue aprovar uma resolução sobre o conflito em Gaza, que apela a "pausas e corredores humanitários" urgentes e alargados em todo o enclave. Apesar de apresentada por Malta, a resolução foi fruto do trabalho dos 10 membros não permanentes do Conselho, que decidiram agir face aos vetos apresentados por membros permanentes aos anteriores projetos.
6 de dezembro de 2023 - Pela primeira vez desde que se tornou secretário-geral da ONU, em 2017, António Guterres invoca o artigo 99.º da Carta das Nações Unidas, que afirma que o secretário-geral "pode chamar a atenção do Conselho para qualquer assunto que, na sua opinião, possa ameaçar a manutenção da paz e segurança no mundo". Nesse sentido, Guterres faz um apelo inédito ao Conselho de Segurança para que "pressione para evitar uma catástrofe humanitária" em Gaza, reiterando os apelos por um cessar-fogo que trave "implicações potencialmente irreversíveis" para os palestinianos.
8 de dezembro de 2023 - Os Estados Unidos vetam um projeto de resolução do Conselho de Segurança da ONU que exigia um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza, apesar do apelo inédito lançado por António Guterres.
9 de dezembro de 2023 - O Governo israelita acusa o secretário-geral da ONU de colocar-se ao lado do Hamas ao pedir um cessar-fogo em Gaza.
12 de dezembro de 2023 - A Assembleia-Geral da ONU aprova, com apoio esmagador de 153 países, uma resolução não vinculativa que exige um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza, após o Conselho de Segurança ter falhado em aprovar a mesma exigência.
22 de dezembro de 2023 -- O Conselho de Segurança aprova uma resolução apresentada pelos Emirados Árabes Unidos que exige o envio de ajuda humanitária "em grande escala" para Gaza.
26 de dezembro de 2023 - ONU anuncia a nomeação de uma ministra cessante dos Países Baixos, Sigrid Kaag, como coordenadora da resposta humanitária e reconstrução de Gaza, em resposta à resolução adotada pelo Conselho de Segurança.
26 de janeiro de 2024 - A UNRWA rescinde contratos de funcionários acusados por Israel de alegada participação nos ataques de 07 de outubro. Após as acusações israelitas, os principais doadores da agência, considerada a "espinha dorsal" da ajuda humanitária em Gaza, suspendem o financiamento.
5 de fevereiro de 2024 - António Guterres nomeia grupo de revisão independente para avaliar a "neutralidade" da UNRWA, liderado pela ex-ministra francesa Catherine Colonna.
20 de fevereiro de 2024 - Estados Unidos vetam mais um projeto de resolução proposto pela Argélia no Conselho de Segurança da ONU que exigia um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza.
27 de fevereiro de 2024: Agências da ONU alertam para "níveis catastróficos" de insegurança alimentar em Gaza
22 de março de 2024 - Rússia e China vetam projeto de resolução proposto pelos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU que determinava "um cessar-fogo imediato e sustentado" na guerra de Israel contra o Hamas em Gaza.
25 de março de 2024 - Conselho de Segurança da ONU adota resolução proposta pelos 10 Estados-membros eleitos que exige um cessar-fogo imediato em Gaza durante o Ramadão. O texto recebeu 14 votos a favor e a abstenção dos Estados Unidos, que causaram polémica ao considerar a resolução "não vinculativa". Ao abrigo da Carta da ONU, os Estados-membros concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança.
2 de abril de 2024 - Faltando menos de uma semana para o fim do período do Ramadão - que termina em 9 de abril-, António Guterres pede a implementação "sem demora" da resolução adotada pelo Conselho de Segurança que exige um cessar-fogo imediato em Gaza, apesar dos combates continuarem.