© LusaPOR LUSA 16/12/22
Mais de 25.000 pessoas podem passar fome nalgumas zonas da África Ocidental afetadas por conflitos no próximo ano, alertou hoje um alto dirigente do Programa Alimentar Mundial (PAM).
Federico Doehnert, que falava na apresentação do mais recente relatório sobre segurança alimentar, disse que a violência e as consequências económicas da pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia estão a aumentar essa ameaça para populações na Nigéria, Mali e Burkina Faso.
"Uma das coisas mais impressionantes é que, onde já tínhamos no ano passado problemas com grave insegurança alimentar, agora estamos a registar uma deterioração ainda maior", disse Doehnert em Dacar, ao apresentar as conclusões do relatório, elaborado por governos regionais, Nações Unidas e organizações humanitárias.
A região transfronteiriça entre o Burkina Faso, Mali e Níger é o epicentro da escalada da crise humanitária na África Ocidental, agravada pelas alterações climáticas, inundações severas e secas que colocam mais de 10 milhões de pessoas em necessidade de assistência, lê-se num comunicado da ONU divulgado esta semana.
Segundo Doehnert, quase 80% das pessoas que enfrentam a ameaça de fome catastrófica - cerca de 20.000 - estão na região do Sahel no Burkina Faso, onde fundamentalistas islâmicos ligados à Al-Qaida e ao grupo extremista Estado Islâmico sitiaram cidades e cortaram a assistência.
Por exemplo, os moradores da cidade de Djibo estão bloqueados há meses, impossibilitados de aceder às suas plantações.
"Só recebemos comida quando chegam as colunas (de ajuda humanitária). Infelizmente, não vêm com regularidade", disse Sidi Dicko, residente em Djibo, citado pela agência Associated Press.
"Oramos para que Deus nos ajude a sair dessa situação", acrescentou.
Dicko disse que a pouca comida que chega é transportada por colunas militares, que muitas vezes são atacadas no caminho.
As organizações humanitárias precisam de usar helicópteros para transportar os alimentos, e essa operação torna-se muito dispendiosa.
Doehnert disse que no Mali, onde a violência persiste há uma década, 1.700 pessoas vão enfrentar níveis catastróficos de fome.
Os deslocados dizem que não têm empregos e não podem comprar comida.
"Antes (da violência), eu ia ao mercado para trabalhar e trazer comida para minha família",contou por sua vez à Associated Press Oumar Barry, a partir de um acampamento na cidade de Mopti, onde está abrigado com os seus 10 filhos.
A família de Mopti agora faz apenas duas refeições diárias em vez das três anteriores.
Outros países da região que não sofrem com os mesmos níveis de violência também enfrentam problemas de fome.
No último trimestre do ano, Benim, Costa do Marfim, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Libéria, Serra Leoa e Togo registaram um aumento de 20% na insegurança alimentar face a 2021, segundo o relatório.
Cerca de 25 milhões de pessoas na Nigéria enfrentam insegurança alimentar moderada ou pior, destaca ainda o relatório.
As pressões convergentes da recessão económica, o crescimento da população jovem precisando de empregos e a crise climática deixam os pobres vivendo precariamente, disse na cerimónia de apresentação do documento Alex de Waal, diretor-executivo da World Peace Foundation, com sede nos Estados Unidos.
"Além disso, os conflitos armados e o uso cínico da fome como arma levam as comunidades à fome absoluta", vincou.
Enquanto os níveis de fome aumentam, a ajuda financeira internacional continua igual, disse Benedetta Di Cintio, dirigente do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU e que trabalha com a África Ocidental.
"Este ano, estamos em 63 (milhões) de pessoas necessitadas. No próximo ano estamos a projetar 69 milhões de pessoas e os números estão a aumentar, mas o nível de financiamento é mais ou menos, podemos dizer, o mesmo em termos de percentagem", adiantou.
Na cimeira EUA-África realizada esta semana em Washington, os Estados Unidos anunciaram um total de 1,88 mil milhões de euros de ajuda de emergência e assistência de segurança alimentar de médio a longo prazo para os países africanos.