[ENTREVISTA agosto_2020] O economista guineense que atualmente faz parte do membro do Conselho de Administração do Fundo da União Africana para a resposta a pandemia do novo coronavírus, Paulo Gomes, afirmou que a Guiné-Bissau está de joelhos e que a janela de oportunidades para levantá-la, minimamente para avançar, está fechada. Contudo, prometeu engajar-se, enquanto guineense, no contexto da União Africana e ao nível de “Afrochampean” para ver como é que a Guiné-Bissau pode aproveitar essa oportunidade, mas teme que isso venha, eventualmente, a fracassar por divergência de opiniões e posições em várias questões que possam ser levantadas.
Gomes que também foi diretor do Banco Mundial para 25 países da África, incluindo a Guiné-Bissau, concedeu uma entrevista conjunta ao semanário O Democrata, à Radiodifusão Portuguesa (RDP) e à Rádio Jovem, na qual faz uma análise geral sobre a situação da crise financeira provocada pela crise sanitária, a nível mundial, em particular no continente africano e na Guiné-Bissau, tendo assegurado que a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus vai alimentar várias outras crises, por isso, alerta que o mais importante é que haja uma frente comum a nível do país.
O economista fez igualmente uma análise sobre a situação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que, de acordo com a sua explanação, “está muito fraca, porque muitos países são fracos. Aliás, ela é reflexo dos países que a constituem. É pouco provável que esteja em condições de fazer face a esses fenómenos”.
“Para além dessa situação, temos também uma questão de liderança na região. Eu conhecia a CEDEAO com outras personalidades, que eram mais fortes e intervenientes. Não vejo agora o mesmo envolvimento e isso pode estar ligado ao episódio da evolução dos países. Podem reter uma coisa: a Guiné-Bissau está sozinha! Ninguém fará nada por nós. Temos que analisar, internamente, a nossa situação e definir mecanismos mais inovadores, por exemplo, a “roprofalyn” da nossa dívida em CFA é um dos aspetos específicos internos que devemos levantar e pedir, mas não estou a insinuar que vão aceitar os nosso pedidos”, exortou Paulo Gomes, que esteve no país recentemente no âmbito de uma missão do Fundo da União Africano, tendo sido recebido pelo Chefe de Estado, Úmaro Sissoco Embaló, e aproveitou a sua estadia no país para se reunir com diferentes responsáveis governamentais do setor económico e social.
GUINÉ-BISSAU DEVE NEGOCIAR A RESTRUTURAÇÃO DAS SUAS DÍVIDAS EM FRANCOS CFA
“Deixei as minhas opiniões políticas no aeroporto, não obstante as críticas que possa ter em relação ao meu país, vejo neste momento o impacto desta crise que, a nível humano, já é difícil de estimar, porque não temos aparelhos estatísticos e nem outros elementos para ver o sofrimento da nossa população. As consultas que fiz com diferentes entidades do país foram importantes para algumas recomendações que deixei ao governo e às organizações da sociedade civil”, indicou.
Assegurou que as recomendações que deixou às autoridades e às organizações da sociedade civil têm dois eixos principais, destacando que a primeira é tudo aquilo que se pode fazer em termos de políticas públicas, como por exemplo, “incentivos que podemos dar ao setor privado para evitar que este entre em falência, mas também protegermos também o emprego”.
“Vai ser necessário arranjar meios para dar alguns incentivos mais imediatos no quarto trimestre, mas o governo tem de tomar também uma série de medidas do tipo “Castransfert” para as mulheres e para os jovens, como também apoiar o empreendedorismo. Obviamente isso poderá ser associado a um conjunto de iniciativas de projetos, por exemplo, na área sanitária, o melhoramento dos bairros e algumas obras públicas, para incentivar a mão de obra” enfatizou o economista.
Gomes disse que para financiar estes projetos será necessário realocar alguns recursos, tendo lembrado que sobre este assunto teve uma discussão com o ministro das Finanças, sobre as opções possíveis. Mas acredita fortemente que “precisamos fazer um “roprofalyn” da nossa dívida em FCFA”.
“Vamos ter que discutir ao nível da UEMOA, que tem a iniciativa de iniciar um programa de relançamento da economia pôs Covid-19. Nós deveremos utilizar essa oportunidade para começarmos uma negociação para a restruturação da nossa dívida em CFA, que poderá libertar alguns recursos e permitir-nos financiar algumas dessas iniciativas no quadro da luta contra a Covid-19”, nota.
Solicitado a especificar o valor necessário em termos monetários para o combate a Covid-19 e ajudar a recuperação do setor privado guineense, Paulo Gomes sublinhou que ainda é cedo avançar com números concretos, porque será preciso analisar os custos primeiramente. Lembrou que há uma discussão no momento sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE) e que os referidos projetos deverão ser igualmente agregados ao OGE. Contudo, disse que avançar já para o envelope financeiro, é preciso fazê-lo de uma forma prudente e realista, porque “não se trata apenas de financiar, mas também de uma implementação”.
“Implementar tudo isto requer um consórcio de atores da sociedade civil, das ONG’s, do INEP e várias outras organizações, nomeadamente, KAFO e COAJOQ, instituições que já conseguiram ter uma sensibilidade muito mais forte no terreno e elas podem assistir na implementação destas recomendações no mundo rural, baseado nas suas experiências e no conhecimento comunitário, que é importante para o desenvolvimento sustentável. Isto tem que ser uma atividade de todos que requer o engajamento de todos”, adverte o economista.
“INVESTIMENTO COM MAIOR RETORNO NESTE PAÍS É O INVESTIMENTO NAS MULHERES”
Gomes alerta o governo e as organizações da sociedade civil que, tendo em conta a gravidade da crise, é bom definir um plano de ação agora para eventuais cenários que possam aparecer, mas “um plano de ação bem detalhado em que sejam identificados atores fundamentais para a sua implementação. Poderá ser um programa que pertence a toda a gente e que as recomendações possam ser utilizadas e permitir o engajamento da comunidade internacional”.
Interrogado sobre o que o governo deve fazer de concreto para salvar o setor privado, o economista reconheceu que a campanha não está a correr bem por várias razões que não especificou. Enfatizou, por isso, que está esperançado que o ministro das Finanças tomará uma posição acertada para apoiar o setor privado e as outras entidades, bem como o empreendedorismo ao nível de jovens e das mulheres.
Não obstante o governo ter disponibilizado mais de 15 biliões de Francos CFA para viabilizar a campanha de comercialização da castanha de caju no país, os empresários continuam a lamentar as dificuldades e alegam que a campanha do produto estratégico para a economia da Guiné-Bissau, “foi um fiasco”.
“Quero insistir num fator que é extremamente sensível. O investimento com o maior retorno neste país é o investimento nas mulheres, seja por via de “Castransfert” ou por microfinanças, mas é o melhor investimento com maior retorno. Penso que o ministro das Finanças está completamente alinhado nesta matéria. Mas o objetivo neste momento é fazer com que o nosso setor privado não afunde porque, infelizmente, grande parte da nossa economia está nas mãos de estrangeiros e temos que tomar muito cuidado. Não estamos a apontar o dedo aos estrangeiros, mas em qualquer país precisa-se de uma massa critica de empresários nacionais que podem assegurar essa economia”, adverte.
Paulo Gomes informou, no entanto, que o documento foi elaborado também no contexto de “Afrochampean”, que é uma iniciativa que está a ser implementada a nível pan-africano. Contudo, diz acreditar que antes do final do quarto trimestres os apoios ao setor privado deverão ser postos em prática, através da transferência dos recursos para os privados, o que pode ser também de uma moratória em termos de dívidas.
Para salvar o setor privado, indicou que há vários mecanismos. Porém, alertou que o importante é que esteja no orçamento. Recorda que durante as discussões falou-se dos créditos que têm do IGV, a nível do ministério das Finanças, e do acesso ao crédito de forma menos cara.
Questionado se existe a possibilidade de o governo voltar a vender os seus títulos, Paulo Gomes realçou a necessidade de fazer um “roprofalyn” da dívida guineense em francos CFA. Apesar da dívida da Guiné-Bissau ser de curto prazo, Gomes alerta que constitui um peso enorme para as finanças públicas porque, com esse processo, o país terá que refinanciar-se para poder financiar outras emissões. Defende, por isso, uma discussão séria a nível da região africana sobre a especificidade da dívida da Guiné-Bissau.
O economista diz acreditar que com esse “roprofalyn” o país poderá, possivelmente, libertar recursos para empreendimentos que vão diretamente para o crescimento económico do país, no contexto pós Civid-19. Contudo, sublinhou que não será uma coisa fácil, porque o que se vai pedir será uma situação um pouco excecional em relação aos outros da União Económica e Monetária Oeste Africana (UEMOA), porque “somos o último país a aderir à organização e somos também a economia mais frágil”.
“Por isso é preciso união nacional à volta dessa ideia de “roprofalyn” da nossa dívida em CFA. É neste sentido que isso está colocado nessas recomendações e, certamente, haverá a necessidade de uma frente comum, porque isso vai para além de quem está, neste momento, a dirigir o país. Vai continuar, porque nada é estático no atual ambiente, tanto político quanto económico desse país”, aconselha.
Perante esse assunto, Paulo Gomes recomendou que haja os incentivos previstos no Orçamento Geral do Estado e os que estão ligados à capacidade financeira do privado e que possam ser tomados em consideração, como também não devem ser tomadas nenhumas medidas que possam perigar ou tornar mais pesada a situação da tesouraria do país.
Outra medida apontada por Paulo Gomes tem a ver com o acesso das mulheres aos recursos, a disponibilização de recursos à juventude para desenvolver o setor do empreendedorismo no país, a adoção de algumas atividades urbanas e rurais, nomeadamente, o melhoramento de alguns bairros (através de canalizações e a construção de latrinas), quer na cidade Bissau quer no interior do país e a reflorestação, porque “a Guiné-Bissau foi destruída na sua massa crítica da floresta e há a possibilidade de elaborar programas nesse sentido”, assegurou.
“Isso é possível, porque muitos países em África conseguiram digitalizar esse processo para aumentar a transparência, por exemplo, o Togo”, reforçou.
Assegurou que são atividades que não custam biliões de francos CFA, mas que são bem implementadas com as instituições fora do circuito da administração, nomeadamente, o ecossistema da sociedade civil (as organizações, as câmaras, pessoas que estão ligadas aos sindicatos, ONG’s e personalidades) para reduzir a burocracia e os riscos de corrupção.
Relativamente a essa matéria, Paulo Gomes diz ter sentido, das entidades contatadas, “um consenso total” sobre a importância de o país ter uma frente comum em relação a essa crise sanitária.
Parafraseando o fundador da nacionalidade guineense, Paulo Gomes lembrou da célebre frase de Amílcar Cabral que dizia, durante a luta armada, que: “era importante que os guineenses não destruíssem as pontes e estradas, porque isso será necessário depois”.
O economista aconselhou, por isso, os guineenses a comportarem-se bem para não destruirem as pontes e estradas, porque “não se sabe quem vai gerir tudo isso depois”, sublinhando que “haverá sempre batalhas, mas nunca destruir as estradas, as pontes e os aeroportos”.
Paulo Gomes alertou que a Guiné-Bissau está de joelhos e que a janela de oportunidades para levantá-la, minimamente para avançar, está fechada. Apesar dessa chamada de atenção, o economista promete engajar-se, enquanto guineense, no contexto da União Africana e ao nível de “Afrochampean” para ver como é que a Guiné-Bissau pode aproveitar essa oportunidade, mas teme que isso venha, eventualmente, a fracassar por divergência de opiniões ou posições em várias questões que possam ser levantadas.
“CEDEAO TOMOU AS SUAS DECISÕES E LIMITEI-ME A ALINHAR COM A SUA DECISÃO”
Tal como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Gomes reconhece Úmaro Sissoco Embaló como Presidente da República da Guiné-Bissau, tendo lembrado que, quando a CEDEAO aplicou sanções às figuras políticas guineenses tidas, na altura, como obstáculos à segurança e ao desenvolvimento do país, foi criticado que era o menino querido ou manipulador em chefe, da organização sub-regional, dada a suas relações específicas com o bloco da Costa Ocidental da África.
“Penso que ficou claro no contexto internacional. A CEDEAO fez aquilo que fez, tomou as suas decisões e limitei-me a alinhar apenas com a decisão da CEDEAO”, esclareceu. Neste sentido, Paulo Gomes referiu que estevava no país no âmbito do Fundo de Resposta ao Covid-19, no quadro da União Africana, que também participa das atividades do fundo.
“Quando cheguei à Guiné-Bissau e não estava a ver o Presidente da República, em particular. Eu estava a ver um país numa situação de crise internacional. Podem consultar depois as estatísticas, nunca houve uma situação desta natureza no século XX e nem sei até ao final do XXI que tipo de crise poderemos ter, pior ou não do que esta, com contração do Produto Interno Bruto (PIB) no Japão de mais de 20%, a introdução de liquidez na economia da parte dos Estados Unidos da América equivalente a 10 ou 15 % do PIB e 20% para o Japão”, referiu na sua entrevista.
Na observação de Paulo Gomes, este tipo de crise “é grave” e é suscetível de criar revoluções sociais de contornos imprevisíveis.
“Estou a ouvir zunzuns daquilo que se passa no Mali. Não sabemos o que pode acontecer na Casta do Marfim e na Guiné-Conacri, mas é resultado de tudo isso. Portanto, não quero que o meu país participe nessa crise regional ou em qualquer uma que possa ser de natureza internacional”, alertou.
Para evitar eventuais consequências que possam advir desse comportamento, Paulo Gomes defendeu a seriedade e a frente comum de luta contra a corrupção porque, conforme avança, continua a registar-se o surgimento de vários departamentos que colheita receitas que funcionam de forma autónima. Para Paulo Gomes, tudo deveria ir para as finanças, porque essa multiplicidade de entidades que recolhem receitas e vivem por si, não pode continuar e defende reformas, caso contrário “esse governo não poderá aguentar despesas sem apoio internacional”.
Indagado se ainda é possível a implementação da moeda única a nível da CEDEAO, tendo em conta a crise política e sanitária que afeta a sub-região, o antigo diretor do Banco Mundial para 25 países da África e incluindo a Guiné-Bissau, afirmou que a implementação da moeda única não será possível. Apesar de ser uma boa visão, sublinhou que “ela não pode ser implementada em tempos de crise”.
“É preciso que os países sejam transparentes com as populações, a moeda não vem resolver os problemas económicos de forma mágica. Há prioridades, e, além disso, a moeda assenta-se na realidade de um setor real. Duvido que, com essa crise, a prioridade seja a moeda única”, assinalou.
Quanto à problemática da droga e do terrorismo da sub-região, Gomes referiu que são questões que só podem e devem ser tratadas num contexto regional, não de forma isolada. Por isso, aconselhou aos guineenses e as autoridades em particular a não entrar numa narrativa anti-CEDEAO.
O economista guineense reconheceu, contudo, que houve um episódio em que a CEDEAO esteve implicada, mas frisa que há problemas mais greves, nomeadamente, a droga e o terrorismo que é preciso atacar e resolver num contexto regional.
“A CEDEAO está muito fraca, porque muitos países são fracos. Aliás, ela é reflexo dos países que a constituem. É pouco provável que esteja em condições de fazer face a esses fenómenos. Para além dessa situação, temos também uma questão de liderança na região. Eu conhecia a CEDEAO com outras personalidades, que eram mais fortes e intervenientes. Não vejo agora o mesmo envolvimento e isso pode estar ligado ao episódio da evolução dos países. Podem reter uma coisa: a Guiné-Bissau está sozinha! Ninguém fará nada por nós. Temos que analisar, internamente, a nossa situação e definir mecanismos mais inovadores, por exemplo, a “roprofalyn” da nossa dívida em CFA é um dos aspetos específicos internos que devemos levantarmo-nos e pedir, mas não estou a insinuar que vão aceitar os nosso pedidos”, esclareceu para seguida indicar que é necessário tentar sempre e mostrar à sub-região que o país tem propostas.
Por: Assana Sambú/Filomeno Sambú