Segundo o Orçamento Geral do Estado, aprovado no Parlamento, o Presidente Sissoco Embaló receberá, em 2021, perto de um milhão de euros. Sindicato critica os "luxos" dos governantes enquanto o povo "vive na miséria".
Está instalada a polémica sobre o chamado "Fundo de Soberania" atribuído aos titulares dos órgãos de soberania, um valor adicional ao salário e regalias que já auferem.
Consta no Orçamento Geral do Estado (OGE), aprovado pela nova maioria no Parlamento, que o Presidente da Guiné-Bissau passa a receber, em 2021, perto de um milhão de euros; o presidente do Parlamento e o primeiro-ministro recebem o equivalente a quase 400 mil euros, cada um, enquanto o presidente do Supremo Tribunal de Justiça receberá 152 mil euros.
Grupos de cidadãos e partidos políticos pedem ao Presidente para vetar o OGE para 2021. Umaro Sissoco Embaló ainda não se pronunciou sobre o assunto.
Entretanto, Nelson Moreira, deputado do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), partido que sustenta o atual Governo no Parlamento, diz que foi apenas atualizada uma proposta que já vinha de 2018, quando o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) estava no poder.
"Não há nada de novo", afirma Moreira em declarações à DW África. "A única coisa que foi feita, nesta legislatura e nessa sessão parlamentar, é a atualização desse Fundo de Soberania, um fundo que é posto à disposição dos titulares dos órgãos de soberania para poderem desempenhar condignamente as suas funções."
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A DW África sabe que o anterior Presidente guineense, José Mário Vaz, recebia pouco mais de 76 mil euros de subsídio de representação. Agora, esse subsídio passaria a ser designado como "Fundo de Soberania", recebendo o Presidente da República em 2021 o equivalente a cerca de 915 mil euros, segundo o OGE. O deputado Nelson Moreira concorda com o aumento.
"Sim, porque, com base num trabalho feito, chegou-se a essa conclusão da necessidade de ser atualizado o valor em função da atual situação e circunstâncias em que o país está a viver."
Por seu lado, Wasna Papai Danfa, vice-líder da bancada parlamentar do PAIGC, partido que se recusou a participar na votação do OGE, refere que esse dinheiro dava para resolver vários problemas sociais que o país enfrenta, afirmando mesmo que se trata de uma medida "inconstitucional".
"Somado, esse montante dá mil e duzentos milhões de FCFA [mais de 1,8 milhões de euros]. E, se olharmos para o OGE, veremos que a verba atribuída ao Ministério da Família e Coesão Social é quase o mesmo valor. Ou seja, os quatro titulares dos órgãos de soberania ganham praticamente o mesmo que um ministério, que é extremamente importante para o nosso contexto social."
Para a bancada parlamentar do PAIGC, o país não estará em condições de aguentar tanto encargo no contexto da pandemia de Covid-19.
"O país não está em condições de atribuir um valor destes aos titulares dos órgãos de soberania. Quando dizem para apertarmos o cinto, não deve ser para os mais pobres. Nunca vi na Guiné-Bissau um Presidente da República a ganhar anualmente 600 milhões de FCFA, sem contar com as regalias e o seu salário."
Júlio Mendonça, secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné
Povo paga mais impostos, governantes "ostentam luxos"
Uma das vozes mais críticas ao OGE, mesmo antes da sua aprovação, é o líder da maior central sindical do país, a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (UNTG). Júlio Mendonça lamenta que os trabalhadores do Estado paguem mais impostos, sem aumento de salário mínimo, enquanto os titulares vão ganhar mais dinheiro "à custa deles". O sindicalista diz que o "Fundo de Soberania" não reflete a realidade do país.
"Para nós, é um insulto ao povo. O povo vive na miséria, não há hospitais, não há nada, mas os governantes andam a ostentar luxos. Quando disse, no ano passado, que se fosse aprovado esse OGE, 2021 seria um ano de greve, era isso que estava em causa. Porque esse OGE prova que não têm sentimento ao povo. Querem aumentar a carga fiscal num pobre funcionário, mas não pagam impostos."
A União Nacional dos Trabalhadores cumpre esta quarta-feira (06.01) o terceiro dia de uma greve geral em protesto, entre outros pontos, contra o OGE. Mas Júlio Mendonça diz que o Governo ignora a paralisação. Além disso, líderes sindicais estarão a ser alvo de ameaças: "Temos informações de que pretendem fazer algumas manobras de intimidação aos dirigentes sindicais da UNTG. Mas estamos tranquilos e esperamos essas intimidações, porque estamos a defender os direitos laborais."
A greve geral deve terminar na sexta-feira (08.01), mas a UNTG pretende avançar com novo pré-aviso. Falta saber se o Presidente irá vetar ou promulgar o OGE de 2021.
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