Por DW.COM.PT 30.07.2021O ministro das Finanças da Guiné-Bissau garante à DW que os novos impostos não incidem sobre bens de primeira necessidade e são para manter. João Fadiá considera que "subsídios milionários" são uma "despesa necessária".
João Fadiá refuta as acusações de que os novos impostos estejam a fustigar a vida dos guineenses, que se queixam da subida dos preços dos produtos no mercado. Em entrevista exclusiva à DW, diz que o valor pago por mês, por exemplo, em impostos de democracia é "irrisório" para quem é funcionário público, que ganha o salário mínimo, e garante que esses impostos são para manter, por serem vitais.
O ministro das Finanças da Guiné-Bissau afirma ainda que os "subsídios milionários" atribuídos aos titulares dos órgãos de soberania, fortemente contestados pela sociedade civil, representam apenas 0,47% do total das despesas orçamentais. João Fadiá confirma que é o Estado que paga as viagens do Presidente da República ao estrangeiro, em jatos privados, mas diz que às vezes Umaro Sissoco Embaló tira do seu próprio bolso.
O governante diz também que a dívida externa que rondava os 79%, acima do rácio fixado pela União Económica Monetária da África Ocidental (UEMOA) e que caminhava para a insustentabilidade, caiu para 72%, e garante que a dívida interna está "praticamente sob controlo".
DW África: Qual é o valor total da dívida pública da Guiné-Bissau?
João Fadia (JF): A dívida da Guiné-Bissau era elevada se nós tomássemos em conta o rácio fixado em termos do pacto de convergência a nível da UEMOA, que diz que o nível de endividamento deve situar-se no máximo a 70% do Produto Interno Bruto (PIB). No caso da Guiné-Bissau, o stock rondava os 79%. Mas isso era dívida global. Em termos da dívida externa, está muito abaixo desse nível, estamos na ordem dos 72,9%. Se retirarmos a dívida do Banco Oeste Africano de Desenvolvimento (BOAD), a dívida, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), estará dentro da fasquia das dívidas sustentáveis. A dívida interna é elevada em certa medida, mas está praticamente sob controlo e não termos serviços de dívida atrasados.
João Fadiá (esq.): "O Presidente pode viajar mil vezes se achar necessário para o bem do país"
DW África: Neste momento qual é o valor da dívida pública da Guiné-Bissau?
JF: O montante total da dívida é de 690 mil milhões de francos CFA, para um PIB estimado em 874 mil milhões de francos CFA [1,06 mil milhões de euros].
DW África: Vários setores da sociedade civil questionam os investimentos feitos com o dinheiro da dívida. Como responde a estas questões?
JF: São dívidas investidas em vários setores, nomeadamente nas infraestruturas, educação e saúde. Portanto, isto está aí patente. Por exemplo, há um investimento na estrada Buba-Catió [sul da Guiné-Bissau], há um investimento ao nível da construção do Hospital Simão Mendes, financiado pelo BAD, o Banco Mundial financia projetos a nível da Saúde e Educação... Portanto, tudo isso entra para o stock da dívida. Agora, a dívida para financiar o Orçamento Geral do Estado faz parte de uma parte da dívida interna, que se situa em 276 mil milhões de francos CFA.
DW África: Que impacto teve a pandemia na Economia guineense?
JF: A Guiné-Bissau sofreu bastante por estar muito exposta ao choque externo, porque a nossa economia vive muito da exportação da castanha de caju. As medidas restritivas tomadas no contexto da pandemia, em 2020, levaram a que a campanha de exportação começasse muito tardiamente, e as exportações ocorreram em plena época das chuvas. Os mercados internacionais tiveram problemas porque a procura diminuiu. Portanto, foi catastrófico. Nós perdemos cerca de 28% da nossa receita fiscal em 2020, o que nos obrigou a recorrer ao financiamento do mercado. Tivemos que nos endividar como todos outros países. Em consequência, a economia, ao invés de crescer, regrediu em menos de 1,4% no ano passado.
DW África: E, para este ano, como está a comercialização da castanha de caju?
JF: Este ano estamos a trabalhar com uma estimativa em termos de crescimento do PIB em 3,3%. Está bastante melhor. Vamos bater o recorde de exportação da castanha de caju, pela primeira vez. Estamos a exportar mais de 220 mil toneladas de castanha. O processo está em curso. E isto vai permitir o relançamento da economia, por isso é que saímos da linha vermelha, para se situar em 3,3% do PIB.
DW África: Como é que o Governo justifica a criação de novos impostos, que, segundo os sindicatos, estão a levar ao aumento da pobreza no país?
JF: Mas quais são novos impostos criados? Os impostos que foram criados não incidem sobre os bens de consumo da primeira necessidade. Não houve alterações na nossa tabela aduaneira. Temos um novo imposto, que é da democracia, cujo valor é irrisório para salários baixos. Criámos este imposto porque o país, na sua Constituição, prevê a realização de eleições periódicas. Como é que podemos sustentar as eleições se não contribuirmos nós mesmo, os guineenses? Não podemos ficar totalmente dependentes da ajuda externa, porque corre-se o risco de não cumprir os prazos das eleições. Neste momento, estamos a pedir o esforço dos cidadãos com rendimento fixo - os assalariados.
Associação Nacional de Agricultores diz que campanha de comercialização de caju deste ano é "a pior" de sempre
DW África: Mas os sindicatos dizem que isto fez subir os preços no mercado.
JF: Isto não tem nada a ver com os produtos de primeira necessidade, porque não se agravou nenhuma taxa a nível das alfândegas. O imposto da democracia incide sobre o salário. Quem recebe 208 mil francos CFA [318 euros], se pagar 2 mil francos CFA [3 euros], o que é que isso retira em termos percentuais do seu salário? Repito, isto não tem impacto no consumo.
DW África: Ou seja, o Governo não vai ceder à pressão da sociedade civil e vai manter esses impostos?
JF: Claro que são para manter. É um imposto essencial, é vital para a nossa democracia.
DW África: Faz sentido atribuir os chamados "subsídios milionários" aos titulares dos órgãos de soberania?
JF: O total dos quatro órgãos de soberania dá 1,2 mil milhões de francos CFA [1,8 milhões de euros], ou seja, representa 0,47% do total das despesas orçamentadas. Nem chega a meio por cento do total das despesas. Quanto a mim, é uma despesa necessária, porque só quem não vive cá é que não sabe como é que funciona a nossa democracia e como é que os representantes dos titulares de órgãos de soberania gerem a sua relação com a sociedade. Basta ter uma pequena calamidade, vê-se pessoas publicamente a pedir apoios ao Presidente, ao presidente do Parlamento e ao primeiro-ministro. Portanto, são fundos para os políticos gerirem.
DW África: Esta semana, o Conselho de Ministros tomou a decisão de pagar os salários dos funcionários públicos por via bancária. Os funcionários dizem que não há bancos no interior do país e são obrigados a deslocar-se até Bissau para levantar dinheiro. A medida não vai dificultar a vida dos trabalhadores?
JF: Hoje em dia, todos os funcionários públicos recebem salários pelo banco, incluindo os pensionistas, os reformados e os antigos combatentes. Há apenas uma pequena parcela, que não chega a 2%, dos que ainda não foram abrangidos. É isso que se vai fazer para abranger todo o mundo no sistema bancário.
Presidente Umaro Sissoco Embaló
DW África: Quem é que paga as mais de 80 viagens do Presidente da República ao estrangeiro em jatos privados?
JF: O orçamento da Presidência é 1,2 mil milhões de francos CFA [1,8 milhões de euros], ou seja, 0,47% do total do Orçamento. Essas despesas são pagas pelo Orçamento na rubrica de bens e serviços. Às vezes, o Presidente viaja e não leva um franco do tesouro público, como agora, que está na Turquia em visita privada. O Presidente pode viajar mil vezes se achar necessário para o bem do país. Hoje, acho que as relações que o meu país está a ter com o mundo se devem também às viagens do Presidente [Umaro Sissoco Embaló]. É como eu, se vou para uma viagem privada, vou com os meus recursos, mas, se for numa missão do Estado, é o Orçamento Geral do Estado que me paga.
DW África: Questiona-se a pertinência de o Estado alugar sempre um jato privado, que sai mais caro do que voos normais.
JF: Avalia-se qual é a melhor opção. E esta é a melhor. Eu vi muitos Presidentes a visitarem a Guiné-Bissau, mas não vi nenhum que tenha vindo em voos comerciais. Vi todos a aterrarem com os seus jatos privados ou alugados. Vieram cerca de 12 Presidentes e não vi nenhum a sair de aviões comerciais.
DW África: Como é que está a situação dos salários na Função Pública?
JF: Desde que tomámos posse, em março de 2020, os salários são pagos até 20 de cada mês, o mais tardar. Neste momento, todo o mundo já recebeu o seu salário. Não há nenhum mês que o salário tivesse sido pago depois do dia 20. Neste momento, o setor que consome mais do Estado é a Educação, que tem 53% do total de efetivos e em termos de salário consome 52%, ou seja, consome 1,9 mil milhões de francos CFA [2,9 milhões de euros].