domingo, 26 de novembro de 2017

Opinião - A GUINÉ-BISSAU E AS SUAS CONTINUADAS INCERTEZAS


Tem sido praxe falar de instabilidade política na Guiné-Bissau; tem sido absolutamente normal verificar às práticas nefastas (em todos os domínios da sociedade) que assolam o país. Tem sido quase que natural lidar os sucessivos conflitos entre os partidos políticos que conduzem o destino da nossa nobre e ímpar nação. Tem sido praxe ver, muito embora com dor e angústia, o aumentar da pobreza na nossa querida pátria. Tem sido praxe lidar com as inesgotáveis ondas de incertezas que têm pairado pelas nossas cabeças; incertezas essas que já atravessaram gerações e até hoje continuam pairando pelas nossas cabeças.

Éh… Guiné, até quando Guiné? O que fizestes para merecer tamanho retrocesso? Retrocesso esse protagonizado pelos seus próprios filhos. É verdade que, hoje em dia, verifica-se disputas entre políticos, entre grupos de interesses dentro dos Estados Nacionais; verifica-se estrondosas ondas de apologia à violência em defesa de interesses peculiares e afins em quase toda parte do globo. A incerteza é, podemos dizer assim, uma questão compartilhada por todos os cidadãos do mundo.

Podemos, sem entrar em detalhes, citar alguns exemplos: a Espanha, que depara com movimento independentista da região da Catalunha; a Venezuela que passa por um dos episódios mais sombrios de sua história como um Estado democrático, com a declarada “guerra entre o Presidente em exercício (Nicolas Maduro) e a oposição local; a Líbia que até hoje, depois de ter sofrido a invasão dos países como [França e Estados Unidos], vive uma permanente instabilidade política e social; o próprio Brasil, país no qual eu vivo, que viu consumar o “impeachment” da sua presidente eleita, Dilma Roussef, promovido pela principal oposição, a direita conservadora local entre vários outros exemplos que ilustrariam perfeitamente esse cenário.

Só que, entre todos esses exemplos aqui elucidados, nada se compara a Guiné-Bissau, na minha opinião. Nada! A Guiné-Bissau é um caso à parte, fora do comum. O que acontece na Guiné-Bissau é, no meu entendimento, exclusivo e intrínseco aos guineenses. Dá a impressão de que o país se encontra em outras galáxias, fora do planeta terra e, consequentemente, fora do sistema solar. E isto é algo muito revoltante, muito! Sempre me custou acreditar em tudo que vivenciei e ainda vivencio sobre a minha querida pátria, sempre! Pode acreditar quem quiser, mas custa-me acreditar. Custa-me e muito!

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa me acreditar que, até hoje, já um pouco mais de 1 ou 2? ano, se não me engano, o parlamento guineense ainda se encontra de portas fechadas. Incrível né? Pois bem, estamos falando da Assembleia Nacional Popular, um dos três órgãos máximos da soberania nacional. Custa-me acreditar que os deputados afetos àquele egrégio hemiciclo ainda recebem seus salários sem prestar qualquer serviço à nação e ao povo que os elegeu.

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que até hoje, pleno século XXI, ainda falta “Água e luz” com frequência, coisas que já não são problemas, por exemplo, para os nossos vizinhos: Senegal, Cabo-verde, Gâmbia etc. Parece ficção né? Mas não é, pelo menos na Guiné-Bissau. Pelo contrário, é uma realidade que a geração dos meus pais viveu, que eu vivi e ainda vivo – e que, muito embora o meu desejo seja outro, a geração vindoura tende a viver.

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que, por incrível que pareça, os fantoches políticos ainda acreditam menos nas próprias capacidades e delegam as suas atribuições à dita “Comunidade Internacional”, esbofeteando as próprias caras, dando palmatória às próprias mãos. Custa-me acreditar… custa-me acreditar que ainda vêm nos acordos resultantes das deliberações da Comunidade Internacional como solução para os problemas internos. Foi assim com o “Acordo de Abuja” que ocorreu em Nigéria e está sendo assim agora com o falso e medíocre “Acordo de Conacri”.

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que o pagamento dos salários aos funcionários públicos ainda é “quebra-cabeça”. É normal um funcionário digno e dono de família não receber por vários anos, como está acontecendo com os funcionários da empresa de telecomunicações (Guinetel), que estão sem receber há mais de setenta (70) meses. Os professores, que sempre entram em greves e várias outras categorias que padecem desse mal.

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que ainda hoje haja um sistema de saúde pública deteriorado, um sistema em constante degradação. O principal hospital do país está com penúria de tudo. Penúria desde quantidade de médicos, enfermeiros, especialistas etc., até medicamentos e materiais adequados para um bom atendimento dos pacientes. O que acaba ceifando vidas… vidas dos mais pobres, claro… dos mais necessitados, não da classe política e seus familiares, pois estes vão para Europa ou América fazer tratamento.

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que o sistema judiciário, indiferente doutros setores chaves da soberania, ainda esteja refém de certas personalidades. É incrível como há falta de justiça naquele país! As leis são amaçadas, são desprezadas como se estivéssemos vivendo na sociedade dos homens pré-históricos, sociedades de seres desumanos, até estes conseguem se organizar. Isto só para vocês terem noção da tamanha decepção com relação a esse setor. Sinceramente, custa-me acreditar.

Acredite quem quiser, mas custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que para alguns dirigentes políticos guineense é “sine qua non” (imprescindível) ser ministro ou diretor geral e/ou ter qualquer cargo no governo, e por esse motivo não abrem mão por nada desse mundo dos mesmos. Tem que ser somente eles a ocuparem os referidos cargos, e mais ninguém. Ou seja, por incrível que pareça, interpreta-se os referidos cargos como uma profissão, não como cargos a serem ocupados por um tempo determinado.

Enfim, custa-me acreditar…

Custa-me acreditar que volvido 43 anos de independência ainda haja fragmentações no terreno político que sempre coloca o país na situação que hoje se encontra. Custa-me acreditar… custa-me acreditar que ainda não conseguimos deixar de lado a nossa “cultura de matchundadi”, a nossa cultura de “ika kunsim nam”.

Quiçá seja necessário começarmos a fazer algumas indagações, indagações do tipo: o que queremos na verdade com/para o nosso país? É rentável (valioso) ficarmos batendo na mesma “tecla”? Decidimos viver sob regime democrático né? Então que saibamos lidar com a discórdia, com as divergências de opiniões, com o pluralismo de ideias etc., que representam o salutar e/ou, em grande medida, os reais valores do mesmo.

Que saibamos tolerar uns aos outros, que saibamos dialogar em meio a situações como a vigente, pois se continuarmos com essa política de “ami ku mas nhate” não iremos ao lado nenhum. É preciso desprendermos de certas mordomias, sairmos das nossas zonas de conforto, do nosso aconchego para podermos atingir a meta desejada. Temos tudo, temos tudo para construirmos uma nação próspera e risonha para todos nós. 

“Bo djunda oredja bo sinta na um mesa bo papia, pabia ninguim ka mas importante diki si kumpanher”. 

// Deuinalom Fernando Cambanco, mestrando em Relações Internacionais.
Salvador, Bahia-Brasil
Radiojovem

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