terça-feira, 19 de junho de 2018

Racismo no futebol na Rússia preocupa africanos

O futebol é a modalidade desportiva mais praticada entre os imigrantes na Rússia, país do Mundial de 2018. Mas grupos de ajuda denunciam discriminação alarmante não só nos desportos.



As equipas amadoras de futebol no fim de semana russo são divididas. No ambiente das universidades não há queixas de preconceito, mas seja no centro de Moscovo ou nas cidades ao redor da capital a reclamação se repete: africanos jogam com outros imigrantes enquanto os russos e europeus têm seu próprio grupo. 

Os efeitos desta divisão são tão grandes que africanos residentes em Moscovo têm evitado sair de casa durante o Mundial com medo da reação dos agentes de segurança nas ruas que foram aumentados para o controlo de documentos dos adeptos. Mesmo os legalizados em diversos casos já foram controlados e permanecem em casa com medo da deportação, é o que denunciam os grupos de ajuda aos imigrantes na capital russa. 

A reportagem da Deutsche Welle ficou durante dois dias diferentes por seis horas (das 15h-21h) na Praça Vermelha, ponto mais movimentado da cidade. Nenhum africano foi visto durante todo este tempo. 

"Mas como isso pode acontecer? Eu me pergunto todos os dias. Será que é porque estou num país com tanta discriminação assim?", foi o que indagou Anna Ter-Saakova, diretora do Kids Are Kids, um centro de integração não governamental para crianças imigrantes na Rússia. Dos 70 menores que participam das atividades, 15 são africanos (inclusive um angolano e um moçambicano). A maioria é da Ásia Central e da Síria.

Identificação das diferenças

A garotada é colocada junta na prática de desportos e outras atividades físicas que exigem o toque corporal para a identificação das diferenças que cada um tem. Crianças russas também participam das atividades. 


Exposição fotográfica na Casa da Diversidade em Moscovo destaca jogadores africanos
Para um imigrante angolano que prefere por segurança não ser identificado, não é possível generalizar os russos como racistas, mas o precoceito no país ainda é grande. Ele leciona natação para ajudar no orçamento mensal, enquanto estudante. Já até deixou de colecionar as histórias, mas sofre com isso. "Falar da realidade africana na Rússia não é fácil. Em muitos casos não é racismo, é desconhecimento do diferente por parte da sociedade russa. Eu já fui chamado de gorila por crianças na rua. Não foi para ofender, foi por desconhecimento". 

E os exemplos são muitos, afirma este angolano, que acrescenta: "entrou uma criança de uma cidade do centro [da Rússia] que provavelmente nunca tinha visto um negro e perguntou a sua mãe 'como é que ele chegou até aqui mama?'"

Debate sobre o racismo 


Svetlana Gannushkina, fundadora do
Comité de Assistência Civil (Moscovo)
Para Svetlana Gannushkina, fundadora do Comité de Assistência Civil, uma organização russa que trabalha especialmente com imigrantes na Rússia há 35 anos, "o racismo é um problema que deve ser debatido ainda mais fortemente na Rússia, e no desporto tem ganhado mais espaço esta discussão". 

Svetlana Gannushkina participou da inauguração da Casa da Diversidade que vai funcionar apenas durante o Mundial, até 16 de julho, como espaço de referência às minorias, entre elas, visitantes e migrantes africanos. "Depois tudo fica sob tutela de pequenas organizações como a minha o que é absolutamente insuficiente". 

A Casa da Diversidade é administrada pela Fare, organização britânica que reúne diversos países em ações pelo mundo. 

Federico Addiechi, chefe na FIFA do Departamento de Sustentabilidade e Diversidade, frisa que um evento como o Mundial é importante para o país porque os holofotes estão direcionados para os russos. "Nossas atividades têm uma visão inclusiva, sem discriminação. Eu acredito que um evento como o Mundial tem uma capacidade de trazer boas mudanças para o lugar onde é realizado. Aqui estamos a colocar aspetos positivos contra a discriminacao".

A vida difícil para estrangeiros  

Bruno, de 26 anos, como prefere ser identificado nesta reportagem, nasceu nos Camarões e há quatro anos mora na Rússia. "Não vejo racismo tão forte, mas acabo tornando-me vítima com facilidade. Eu vim para estudar porque queria descobrir o país, eu gosto de descobrir novas pessoas, novos lugares. Não é fácil quando você é estrangeiro, mas espero que tudo fique melhor com o passar do tempo. A Rússia é um bom país para mim". 


Hery, residente na Rússia há 15 anos
Outro africano, Hery, é de Madagáscar, também foi para a Rússia para estudar e acabou por casar com uma russa e agora tem uma filha de 15 anos, o mesmo tempo em que se mudou para aquele país. Mesmo com todo esse tempo, não conseguiu ainda a legalização completa para trabalhar, enquanto colegas de outros países europeus estão empregados. 

"Não é possível dizer que os russos são racistas. O racismo está em todos os lugares, inclusive até em África. Devemos lutar contra estas situações no nosso dia a dia".

"O dinheiro aqui também não está bom. Para um russo que estudou  já está difícil, para nós com estes outros problemas fica ainda mais complicado", pontua outro migrante.

Nas páginas do Ministério das Relações Exteriores da Rússia e da Secretaria Federal de Serviço Social na internet há avisos sobre deportações imediatas para imigrantes ilegais. A maioria das informações de apoio ao imigrante está apenas em russo. 

dw.com/pt

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