© Shutterstock
Por ANA RITA REBELO Notícias ao Minuto 20/10/21
O Lifestyle ao Minuto falou com o médico Almeida Nunes, especialista em Medicina Interna no Hospital Lusíadas Lisboa, para perceber as respostas que existem em Portugal para o tratamento da dor crónica.
Somos dos países onde o consumo de medicamentos analgésicos opióides aumenta de ano para ano. A preocupação com estes fármacos, obtidos a partir do ópio e que são usados para disfarçar uma dor que teima em não desaparecer, não é de agora, mas a discussão - que tem estado engavetada - ainda só está a aquecer.
Almeida Nunes, especialista em Medicina Interna no Hospital Lusíadas Lisboa, considerou, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que é preciso avaliar se está a haver uma prescrição adequada desta classe de medicamentos. Ainda assim, perante a dor, o médico é perentório: "É para tratar e ser erradicada".
Devemos encarar a dor crónica como uma doença ou como um sintoma?
Depende do 'timing'. Isto porque depois de três meses deixa de ser sintoma passando a ser considerada uma doença. Contudo, também é um sintoma e extraordinariamente importante. É talvez o sintoma mais comum que o ser humano refere e aquele que é um dos menos bem tratados. Mas independentemente disso, devemos encarar a dor crónica como uma situação a tratar. É um sintoma normalmente inserido numa outra doença, para o qual temos de estar muito atentos, pois é um sinal de alerta do nosso corpo.
Almeida Nunes © DR |
Um doente com dor crónica é uma pessoa que tem baixa qualidade de vida e, portanto, não faz normalmente as tarefas que deveria executar no seu dia-a-dia e isto acarreta, digamos, um humor depressivo
Quais os fatores de risco e principais sintomas?
A dor tem muito de subjetividade, isto é, não é igual para todos. Há pessoas com um linear muito superior à dor e outras com inferior. Daí que tenhamos de adaptar a realidade da dor a cada caso. Os fatores de risco que pode acarretar são muitos, quer na esfera física como na psíquica. E na esfera física o fator de risco ou de consequência mais importante é a impotência funcional, porque obviamente quem vive com dor crónica na coluna ou no joelho tem dificuldade de mobilidade.
Em termos psicológicos, a dor é um fator determinante e importante para uma certa depressividade: um doente com dor crónica é uma pessoa que tem baixa qualidade de vida e, portanto, não faz normalmente as tarefas que deveria executar no seu dia-a-dia e isto acarreta, digamos, um humor depressivo.
Quais são as queixas mais frequentes dos doentes?
Além da própria dor em si, o mau estar. Isto é, o indivíduo sentir que não consegue fazer a sua vida normal, que não tem mobilidade, não consegue exercer as suas tarefas… Sentem uma impotência funcional que determina e, naturalmente, a tristeza e o sentimento de incapacidade.
Julgo que o Serviço Nacional de Saúde está devidamente capacitado para responder a esta situação, quer na sua forma aguda como na sua forma crónica
De que forma é que a dor aguda pode ser controlada?
A dor, seja aguda, crónica ou subaguda, deve ser sempre controlada porque, hoje, já assiste ao doente o direito de viver sem dor. Mesmo um indivíduo com dor aguda, por exemplo, uma cólica renal, obviamente tem de ser tratado e nós, médicos temos atualmente meios farmacológicos e outros capazes de tratar a dor. Portanto, a dor é para tratar, para ser erradicada.
E quando não é tratada de modo adequado?
Há várias consequências para o doente com dor crónica não controlada. Uma mulher com fibromialgia, por exemplo, se tiver um episódio de dor, pode ficar impedida de sair naquele dia para jantar e, portanto, isto é uma limitação muito grande do movimento, da liberdade, do indivíduo e que acarreta muitas vezes um mau estar do ponto vista psicológico, com depressão e ansiedade associadas. E é evidente que um indivíduo deprimido e ansioso não tem um desempenho cognitivo que deveria ter. Portanto, uma coisa acarreta a outra.
Portugal é um dos países da Europa onde mais se prescreve determinado tipo de fármacos, nomeadamente anti-inflamatórios, mas nem sempre terão o seu papel
Que tipo de respostas é que o sistema nacional de saúde consegue oferecer aos doentes?
Julgo que o Serviço Nacional de Saúde está devidamente capacitado para responder a esta situação, quer na sua forma aguda como na sua forma crónica. Muitas vezes, um doente com dor crónica é um doente de foro oncológico e, como sabemos, existem não só hospitais de dia que dão resposta a esta situação, mas também consultas de especialidade. Nos grandes centros hospitalares existem consultas vocacionadas para a dor. De recordar que Portugal é um dos países da Europa onde mais se prescreve determinado tipo de fármacos, nomeadamente anti-inflamatórios, mas nem sempre terão o seu papel.
Eu próprio, tenho isto na minha prática clínica, temos duvidado muito a nossa orientação terapêutica no sentido dos fármacos opioides. Não só pela sua capacidade superior de erradicação da dor como também pelo facto de terem menos iatrogenia, ou seja, menos efeitos colaterais indesejáveis, nomeadamente a nível renal, cardiocirculatório e também do aparelho digestivo. Vivemos numa época em que existe a necessidade de repensar no lugar que estes fármacos têm no arsenal terapêutico, incluindo no tratamento da dor crónica.
Sem comentários:
Enviar um comentário