A especialista falava a’O Democrata (segunda e última parte) sobre a questão da revisão constitucional trazida ao debate pelos políticos durante a campanha eleitoral das eleições legislativas de 10 de março, em que se sugeria a mudança do próprio sistema político vigente.
Baldé mostrou-se reticente quanto ao sistema presidencialista, porque, no seu entender, “quanto mais os poderes se concentram numa determina figura maiores riscos existem”. E acrescentou ainda que por causa daquilo que é a história da Guiné e das várias crises políticas vividas e que se continua a registar no país, a concentração do poder decisório numa determinada figura não é a solução para os nossos problemas, aconselhando, no entanto, a continuidade do sistema semipresidencialismo bem como da criação dos mecanismo de controlo, da partilha de poder e acima de tudo de mecanismos do diálogo.
Sobre a criação do tribunal especial para julgar os crimes de assassinatos que ocorreram no país, a especialista em matéria do direito internacional penal assegurou que a proliferação de instrumentos acaba por desviar atenção daquilo que é a procura e a efetivação da justiça e disse estar reticente quanto à criação de mais mecanismos supranacionais. Contudo, defende que se deve exigir para que se faça apresentação pública dos trabalhos da investigação sobre estes casos de assassinatos feitos até aqui e apostar na criação dos mecanismos internos para o seu julgamento.
O Democrata (OD): A Guiné-Bissau é um país com enormes casos de assassinatos, sobressaltos militares e guerras. Pede-se a justiça e a responsabilização de atores destes atos, mas para alguns críticos o país não reúne condições técnicas e políticas para o julgamento dos mesmos e defendem a criação de um tribunal especial. Comunga a mesma ideia de acordo com a sua experiência ou aposta nas estruturas judiciais do país para julgar os casos?
Aua Baldé (AB): Eu acho que quanto mais distantes estarmos dos factos, mais difícil fica a averiguar a verdade! Eu tenho uma certa resistência sobre a proliferação de mecanismos… Dou-lhe um exemplo apenas para lá da Guiné-Bissau. Quando se criou o Tribunal Penal Internacional (TPI) pensou-se que agora tudo que esteja relacionado com os crimes contra a humanidade e entre outros crimes vão para ali, mas, entretanto, mesmo no caso da República Centro Africana, que tem casos no TPI para julgar, criou-se outros instrumentos locais para ajudar a averiguar os trabalhos deste tribunal.
Eu acho que essa proliferação de instrumentos acaba por desviar atenção daquilo que é a procura e a efetivação da justiça, daí a minha resistência à uma criação de mais mecanismos. Pergunto-me até que ponto seria salutar a criação de um mecanismo especial, ou seja, do Tribunal Especial para julgar todos esses factos? Lembre-se que o tribunal tem que trabalhar com provas, aliás, tem que se fazer a recolha de provas sobre os casos em causa. Onde é que estarão essas provas? Em que estado da conservação? Com que instrumentos é que o tribunal começaria a trabalhar?
Talvez fosse salutar reivindicarmos a apresentação pública dos trabalhos da investigação sobre estes casos de assassinatos feitos até aqui. Independentemente daquilo que é o princípio do segredo da justiça, devemos reivindicar e saber até que ponto não deverá haver mais transparência na partilha destes processos de recolha de provas e de análises. A minha ideia, ou melhor, preocupação, é em relação à criação neste momento de um novo instrumento para dirigir especificamente esses casos, não sei quão efetivo será!?
Talvez seja melhor recorrer aos instrumentos que já foram criados e exigir uma maior transparência no processo da recolha de provas e julgar os casos na Guiné-Bissau. E se não funcionar, então veremos e mesmo que não seja o recurso a parte do direito criminal, mas podemos usar o mecanismo regional e dizer que o Estado da Guiné-Bissau falhou na sua tentativa de trazer a justiça a esses casos, por isso vamos mover uma queixa contra o Estado guineense pela falha cometida num mecanismo regional e trazer o debate a outro nível e que dá uma outra visibilidade aos casos.
Mas não sei até que ponto neste exato momento e falando de um ponto de vista de uma advogada, se teremos condições materiais para criar um tribunal daquela dimensão e ter acesso às provas de modo a poder fazer o julgamento neste momento.
OD: Durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas debateu-se imenso o problema da revisão constitucional e inclusive o próprio Chefe de Estado guineense, José Mário Vaz, defendeu igualmente a revisão da Constituição e, consequentemente, a revisão do sistema político vigente que é o semipresidencialismo para o presidencialismo, dado que é uma das razões de constantes crises políticas no país. Acha que a Constituição guineense é a fonte da instabilidade política que se vive há muitos anos…?
AB: Imputar à Constituição a tamanha responsabilidade não parece o caminho para a saída da crónica crise… Não me parece que a Constituição seja tão obscura e ao ponto de não providenciarmos os mecanismos para que se possa fazer essa análise e no sentido de chegar ao entendimento entre os políticos. Uma revisão profunda da Constituição!? Que tipo da revisão é que estamos a falar, quem é que participaria e quais são os atores? Quais os mecanismos para ouvir as pessoas entendidas nas áreas?
OD: Alguns políticos e o próprio Presidente da República defendem o referendo popular sobre a mudança do sistema vigente para o presidencialismo…
AB: Eu tenho uma certa resistência ao presidencialismo e devo expressá-la com todo o respeito, porque eu acho que quanto mais os poderes se concentram numa determina figura maiores riscos existem. Esta é a minha percepção, mas cada guineense terá a sua, portanto estou a falar como guineense, enquanto uma pessoa conhecedora da matéria jurídica.
Defendo o princípio de separação de poderes e há uma maior possibilidade de responsabilização e que cada um assume o seu papel, portanto eu defendo o sistema que permite a separação de poderes para a Guiné-Bissau. Não consigo imaginar qual seria essa pergunta no referendo que se defende e até que ponto as pessoas estariam preparadas para responder a essa questão realmente com o conhecimento de causa de qual é melhor regime, entre o Presidencialismo e Semipresidencialismo.
Teria que haver um debate preliminar no sentido de sensibilizar as pessoas para terem o conhecimento de causa e poderem emitir uma opinião, mas como eu disse, tenho uma certa resistência e independentemente do órgão a cumular numa determinada instituição. Para mim o princípio de separação de poderes é muito importante.
OD: Defende a continuidade do sistema vigente, ou seja, do semipresidencialismo?
AB: O Semipresidencialismo é o sistema que permite a separação de poderes, portanto é um bom sistema para a Guiné-Bissau. E justamente é por causa daquilo que na história da Guiné-Bissau houve várias crises políticas e que o país continua a registar, portanto concentrar o poder decisório numa determinada figura não é a solução para os nossos problemas. Tem que haver o mecanismo de controlo, da partilha de poder e acima de tudo criar mecanismos do diálogo interno entre atores políticos e outras forças vivas do país.
OD: Qual é a sua opinião em relação à cíclica crise política que o país vive e acha que é desta vez que a Guiné-Bissau vai sair da crise?
AB: Há sempre este ciclo e esperança e de decepção que todos nós partilhamos de alguma forma! Espero que tenhamos a maturidade depois destas eleições implementar realmente a política que faça a Guiné-Bissau sair desta situação crónica de instabilidade. Os políticos guineenses têm que ser ‘responsáveis’ e trabalhar na implementação de programas que apresentam ao povo.
Espero que o governo a ser empossado possa realmente fazer avançar este país, porque esta situação de caos não poderá continuar para sempre com as escolas paradas e a falta de oportunidades. Devemos ter a consciência que estamos a hipotecar o futuro dos nossos filhos e de todos nós próprios.
Por: Assana Sambú
Foto: A.S
Março de 2019
OdemocrataGB
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